domingo, 10 de julho de 2011

As Guardas Municipais e a segurança pública



Periodicamente tomamos conhecimento, através da mídia, de posicionamentos de
autoridades policiais, particularmente das Polícias Militares, contrários à atuação das Guardas
Municipais, como integrantes dos Órgãos de Segurança Pública nos diversos municípios
brasileiros.

As recentes declarações do coronel Marlon Jorge Teza, Presidente da Federação
Nacional dos Oficiais da Polícia Militar, afirmando sua intenção de impetrar ações judiciais
contestando a forma de trabalho dos guardas municipais em cidades de Santa Catarina, não é
um fato novo, haja vista que fatos similares já ocorreram em outros Estados da Federação.

Mas, por que motivo as Polícias Militares assumem esse posicionamento contrário
à atuação das Guardas? O normal, o lógico, seria que estivessem comemorando a participação
de mais um organismo de segurança, na luta contra a criminalidade em nossas cidades.
Podemos até imaginar as Guardas Municipais atuando no trânsito, no patrulhamento de áreas e
instalações públicas municipais, atuando na segurança nas escolas municipais, combatendo o
comércio irregular e, até, os crimes de menor potencial ofensivo. Com isso, as Polícias Militares,
com seus efetivos, poderiam se dedicar a combater o crime organizado, aos crimes de trânsito,
realizar blitz, etc. Imaginemos uma Central de Operações, onde a maioria dos casos atendidos
pelo tel. 190 não são, necessariamente, de caráter policial, e pudesse contar, também, com a
participação de integrantes das Guardas Municipais, que atuariam, por exemplo, em acidentes
de trânsito, brigas de casais ou visinhos, rixas entre grupos de estudantes, patrulhamento e
contenção de torcedores em eventos esportivos, etc. Que grande contribuição seria!

Desde a elaboração da Carta Magna, de 1988, as Guardas Municipais vem
enfrentando uma luta de vida e morte, todos os dias, para se manterem vivas, ativas, proativas
e eficientes em seus serviços. Lembro-me, quando integrante da GM-Rio, com a criação dos
Grupamentos Especiais de Transito, nossos guardas eram presos e conduzidos às delegacias
de polícias, por usurpação de função pública. O problema, na época, só foi contornado graças
a brilhante atuação do comandante da GM-Rio, que realmente vestia a camisa da Guarda
Municipal e lutava por seu crescimento, organização e atuação.

Antes de qualquer ataque, os senhores da segurança pública deveriam atentar para
o fato que as Guardas Municipais foram as primeiras instituições de segurança pública criadas
no Brasil, isso em 31 de março de 1742, e foi essa a única força pública de segurança que o
monarca português, D. João VI, encontrou quando aqui chegou com sua corte, em 07 de março
de 1808.

A Polícia Militar comemora sua data de criação como 13 de maio de 1807 quando,
por Decreto Real, Don João VI cria a “Divisão Militar da Guarda Real de Polícia”, destinada
a “velar sobre a tranqüilidade pública, a coibição dos contrabandos, a extinção de incêndios
e outras obrigações tendentes à ordem civil”, sendo seu primeiro comandante o coronel José
Maria Rabelo.

Apesar da importância, para a época, a Guarda Real de Polícia teve vida curta.
Na noite de 13 para 14 de junho de 1831, influenciada por insurreições recentes em outras
corporações, subleva-se a Guarda Real de Polícia, caindo na desordem e praticando todo o tipo
de desatinos à sociedade local. A situação chega a tal ponto que, em 17 de julho, após derrotar
os sublevados, o padre Diogo Feijó, por decreto, dissolveu a Guarda Real de Polícia, instituída
por Don João VI.
Aproveitando-se da existência, ainda, dos Guardas Municipais, e conhecendo o
trabalho realizado, Diogo Feijó confia a eles a segurança da cidade, que até então vinham co-
existindo pacificamente com a Guarda Real de Polícia. Acredita-se que esse fato tenha sido o
começo da mágoa, do ciúme, das Polícias Militares com as Guardas Municipais, uma vez que,
quando da sublevação das diversas forças, as Guardas se mantiveram imparciais e voltadas
à manutenção da segurança pública da cidade, ganhando com isso a simpatia da população
e a confiança de Diogo Feijó, que lhes restituiu o poder e a responsabilidades pela segurança
pública.

Em agosto de 1831 foi, efetivamente, criado o Corpo de Guardas Municipais
Permanentes, organizados em um Estado-Maior, Companhias de Infantaria e duas Companhias
de Cavalaria. O novo corpo recebeu quase toda oficialidade dos quadros dissolvidos e sua
fiscalização foi confiada ao, então, major Luiz Alves de Lima e Silva, mais tarde Duque de
Caxias.
Em janeiro de 1866, após a Guerra do Paraguai, o Império remodela a estrutura da
Guarda Municipal, desdobrando-a em dois corpos distintos e com duas denominações: Corpo
Militar de Polícia Real, que mais tarde receberia a denominação de Policia Militar, e a Guarda
Urbana, que, no século XX receberia a denominação de Guardas Civis.

Com o advento do regime militar, em 1964, as Guardas Civis foram extintas ou
agregadas às Polícias Militares. Receberam hierarquia e instrução militar, tornando-se força
auxiliar do Exército, em apoio às ações repressivas do Estado, na luta contra os grupos de
esquerda que atuavam no país. Aquele foi um momento excepcional na história das forças
de segurança. Por imposição, se tornaram militares e deixaram de ser polícia, na acepção do
termo. O Estado passou a ter um braço armado eficaz, e permanente, porém a população ficou
sem uma polícia eficiente. E hoje, quarenta e seis anos após, ainda não temos uma polícia que
atenda, de fato, às reais necessidades da população.

A Constituição de 1988, apesar de ser denominada de “Constituição Cidadã”,
cometeu alguns senões quando da elaboração e votação de seus textos. Foi cidadã quando, em
seu artigo 144, inciso 8º, previu a criação de Guardas Municipais, com o objetivo de atender às
necessidades de segurança dos municípios. Pecou, contudo, e muito, quando não desmilitarizou
as Polícias Militares. A estrutura organizacional das PMs ainda é um resquício do Regime Militar,
inadmissível em um estado democrático de direito e, na época, tão criticado por políticos, hoje
no poder. Então, porque manter essa estrutura?

As Polícias não são e nem podem ter um caráter militar; sua formação não deve
ser de combatente, e sim comunitária; sua preocupação deve ser com a prevenção e a defesa;
não deve ser organizada sob a forma de quartel, companhia ou pelotão e seus integrantes não
podem possuir patentes ou graduações militares. Mesmo que um dia tenham sido militares, nas
instituições são apenas polícias. Claro que grupos especializados como o BOPE e o CHOQUE,
na PM do Rio de Janeiro e COE e GATE, na polícia de São Paulo, sempre deverão existir, para
situações especiais. Contudo, que se mude o modelo e se tire o camuflado do uniforme do dia-
a-dia; que se troque o coturno pelo sapato, que se troque as cores das viaturas operacionais, de
modo a demonstrar à comunidade que a polícia não é mais aquela opressora do período militar.

Policiamento de verdade deve ser realizado com formação adequada, treinamento
periódico, atividade de inteligência, planejamento, tecnologia, fiscalização e entrosamento com
a comunidade, se possível através da participação dos Conselhos Comunitários, que discutem,
criticam, sugerem e auxiliam as ações policiais.

Embora os senhores da segurança pública se neguem a admitir, as Guardas
Municipais são o melhor modelo local de polícia; aquela que de fato atende à população.
Por corporativismo, as Polícias Militares se negam a aceitar a idéia das Guardas Municipais
como uma força policial, principalmente sob a alegação do despreparo profissional, do conflito
de competências e da inexistência de uma justiça municipal. Esse corporativismo, além de
prejudicar a melhoria dos sistemas de segurança pública, é também contrário aos interesses do
próprio município, principalmente diante da flagrante inoperância do atual sistema.

O objetivo das Guardas Municipais não é reduzir o poder da polícia. Muito menos
substituir a PM pela Guarda Municipal, mas sim realizar um trabalho de forma articulada, que
permita a cada órgão de segurança o melhor desenvolvimento de suas habilidades.

A criminalidade e a violência, já se configuram em um verdadeiro estado de guerra
civil. Não mais se restringem às grandes e médias cidades brasileiras, atingindo até mesmo
pequenas cidades do interior, com seus irrisórios efetivos de policiais militares. Fatos como
esses exigem, do poder público, a adoção de novos instrumentos que lhe permita uma ação
mais eficaz na defesa da coletividade.

Guarda municipal – amigo, aliado e protetor.

Jorge Heleno de Araújo é militar da reserva do Corpo de Fuzileiros Navais, auditor de
segurança, pedagogo, e foi Gerente de Planejamento de Ensino da GM-Rio.

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