O STF já viveu tempos melhores, de austeridade e demonstrações dignas de uma Corte Suprema. O próprio colegiado, na forma como seus membros são indicados, a infiltração política em algumas das suas decisões, os desentendimentos públicos –alguns grosseiros- entre os seus membros, o puseram a nu diante da opinião pública. A lentidão, de resto marca da Justiça brasileira, as sentenças de magistrados, muitas denotando incompetência jurídica, em especial nos judiciários estaduais. Tudo isso, em conjunto, determinou o que agora se vê: uma presumida falência do poder, tal como acontece no Executivo e no Legislativo, os dois últimos marcados por desvios constantantes de procedimento, enfim, pela corrupção aberta.
No Judiciário surgem casos de vendas de sentença; no Legislativo, a corrupção e o baixo nível permeiam seus colegiados, do Congresso às Assembléias Legislativas estaduais e dessas às Câmaras de Vereadores. No Executivo é o que se vê: a República de coalizão marcada pelos feudos controlados pelos partidos políticos gera escândalos sobre escândalos, e a rapinagem somente este ano determinou a queda de seis ministros de Estado.
O poder público passou a ser aparelhado pelos partidos políticos, mero arremedo do que deveriam ser, onde o apadrinhamento vil ocupa o lugar que deveria ser preenchido pela meritocracia. República menor nos seus poderes constitucionais, antes tida com “bananeiras”, hoje é também do nojo ao expelir mau-cheiro. Movimenta-se pelo pagamento de propina, naturalmente com muitas exceções, porque no meio dos maus, há homens e mulheres dignos e honestos, tanto no Executivo como no Judiciário e no Legislativo. Lamenta-se que mulheres e homens sérios, consciente dos seus deveres e obrigações, voltados para a atividade para a qual foram vocacionados, se misturem a bandidos togados, como corretamente se referiu a ministra Eliana Calmon; com mandatos espúrios, como no Congresso e nos demais legislativos, e no Poder Executivo.
Lembro-me que, ao conceituar inflação, um velho mestre de Economia Política ensinou-me, aos 18 anos de idade, no primeiro ano da Faculdade de Direito da UFBa, que “a moeda má expulsa a moeda boa do mercado.” Este conceito, observo agora nas minhas reflexões já maduras, pode ser empregado corretamente em relação aos três Poderes da República. Os bons, os honestos, que entendo, e espero estar certo, é a grande maioria, passam a ser atingidos pelos maus. Ou eles os expulsam, e volto a me reportar à ministra Eliana Calmon, ou correm o risco de uma convivência malsã, nociva.
Era de se esperar que um processo convulsivo envolvesse o Judiciário. Todos os sinais estavam e estão ainda visíveis. Basta conversar com advogados, com magistrados sérios, enfim, com quem o freqüenta a Justiça em qualquer grau ou instância. Os fatos se sucedem em vertigem. Não apareceram depois das denúncias corajosas da ministra Calmon. Estão quase que escancarados. Mas, diante do cerco feito às ações do Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, preocupado em mudar os rumos do Poder, associações de classe da magistratura passaram a agir e demonstraram força inusitada. Nada, no entanto, que também surpreendesse. Nesta força demonstrada, gerou-se um absoluto mal-estar para o Poder. A questão e as feridas ficaram abertas ao julgamento, que já é feito, pela opinião pública. O CNJ, por agir estribado nas raízes dos objetivos da sua criação, passou a ser um alvo. Normal, porque é sempre assim. Tudo que gera ameaça recebe uma carga contrária em proporção muito maior. É quase como uma aplicação, em outro entendimento, da Lei de Newton que rege os corpos em movimento, segundo a qual “A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: ou as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em direções opostas.” De outra forma: “A cada ação corresponde uma reação igual e contrária”.
A ministra, com o cuidado de não avançar para evitar um choque com o Supremo, que embora exponha seus desentendimentos internos é corporativo (como todos os colegiados) respondeu às pressões do ministro presidente do STF, Peluzo, e de Ricardo Lewandowski com cuidado, mas altivez, até porque, outro ministro, Marco Aurélio, surpreendentemente reduziu os poderes do CNJ, em liminar, que deverá ser apreciada depois das férias do Judiciário pelo colegiado. Mas disse ela, rebatendo as associações, de público: “os técnicos do CNJ vão elaborar relatório dizendo quais juízes teriam recebido dinheiro indevido. O relatório final será "trancado em um cofre". (a liminar de Aurélio impediu a continuidade da apuração do CNJ nos 22 tribunais brasileiros). Negou as acusações das associações de que teria acessado dados bancários dos magistrados sem autorização judicial e que o monitoramento da evolução patrimonial dos juízes brasileiros é feito pelo CNJ há quatro anos, com base na emenda constitucional que criou o órgão.
Disse mais que o CNJ “tem a obrigação de extirpar a corrupção no Judiciário.” E completou: “Isso não é devassa fiscal, isso não é quebra de sigilo. Isso é um trabalho que é feito pelos órgãos que fazem o controle administrativo. Minha grande preocupação é barrar qualquer iniciativa corrupta no Judiciário. Estou absolutamente segura da correção do meu agir.”
Se o Judiciário brasileiro está em guerra, estamos diante de uma boa guerra. Vale lembrar, por fim, a frase cunhada por Mario de Andrade, ou por Saint Hilaire em viagem pelo Brasil no século XIX: “Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”.
por Samuel Celestino
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