domingo, 3 de julho de 2011

VARGEM GRANDE PAULISTA

"uma odisséia de muito trabalho e de amor à terra"

"(...) é um deslumbramento,
um fabuloso Olho d’Água (...)"

Dr Marc Cédron
ecólogo e psiquiatra, 1998



Vargem Grande Paulista... "Ah, aquela passagem na Raposo Tavares!...", exclamam alguns quando se referem à cidade que a famosa rodovia paulista corta ao meio. E estão certos. Nada a corrigir... Era, sim, um ponto nativo de passagem e, embora tenha criado raizes e ganho estatuto de municipalidade, continua como ponto de passagem sendo um dos pólos mais ricos na produção horti-fruti-granjeira. Mas, Vargem Grande Paulista não é só um "ponto" na rodovia...


A região de Vargem Grande Paulista - que foi Bairro do Ribeirão da Vargem Grande e Distrito Raposo Tavares sob administração municipal e paroquial de Cotia - ocupa hoje uma área 38 Km2, entre os Kms 39 e 47 da Rodovia Raposo Tavares e abriga aproximadamente 30.000 Habitantes.

Por decisão popular, em plebiscito realizado em 27 de Novembro de 1981 (com 96% dos Votos válidos), Vargem Grande Paulista tornou-se mais um Município da região metropolitana de São Paulo - e, em 15 de Novembro de 1982, foi eleito o primeiro Prefeito Vargengrandense: o Sr. Elias Alves da Costa.

Desde os tempos do Piabyu (1), a famosa rota do Povo Carijó (2) que ligava o planalto da Serra do Mar ao Paraguay e à nação Inca, no Peru (onde o castelhano Pizarro encontrou o eldorado), e pela qual os padres jesuitas quiseram erguer um "império jesuítico", e também pela qual Antônio Raposo Tavares fez a seguir a sua famosa Bandeira, as aldeias nativas erguidas pelos Povos da Floresta serviram de apoio e, depois, como "pontos-de-encontro".

A vastíssima região de Cotia abarcava parte do "sertam itapecericano" e do "sertam carapicuibano" numa delimitação conhecida pelo mapa da Sesmaria de 12 de Outubro de 1500 (3). Na paróquia cotiana estavam as fazendas de muitos fidalgos portugueses e castelhanos, como a "Fazenda Carapocuyba" - que deu origem à atual região de Granja Vianna - entre outras; no dito "sertam da Cuty" - que o mesmo era dizer, "lá pros lados de Caucaia e do Ribeirão Grande" - as fazendas só surgiram adequadamente administradas a partir do momento em que os núcleos populacionais deixaram de ser "pólos de passagem para os a-volante"(4), ou seja, quando as velhas aldeias carijós agregaram definitivamente os brancos e mestiços até em razão do genocídio a que o próprio Povo Carijó foi sujeito desde os tempos do Bacharel de Cananéia (o grande precursor do escravagismo nos primeiros 30 anos da Era Brasil) aos "salteos" (5) de posse praticados pelos Bandeirantes com apoio do Clero (6).

É neste enquadramento histórico e geográfico que encontramos o tão conhecido Ribeirão Grande - que, dizem, até "o Imperador Dom Pedro gostava de margear em épocas de caça".

Três fatores de grande relevância podem e devem ser (a)notados quando se fala de Vargem Grande Paulista: primeiro, o seu extraordinário sistema ecológico; segundo, o nascimento do poeta, capitão da Polícia Metropolitana e advogado, Baptista Cepellos; e, terceiro, o momento em que a emigração nipônica descobríu a riqueza ecológica da região.

Pode-se dizer também, em suma, que isto é a História regional de Vargem Grande Paulista.

Mas é bom esmiuçarmos esta História. "A rede de mananciais que forma, na realidade, a municipalidade, é um deslumbramento, um fabuloso Olho d’Água que deve ser preservado a todo o custo", afirmou o ecólogo e psiquiatra Marc Cédron (7), em uma rápida visita a Cotia e Vargem Grande Paulista, de tal forma ficou encantado com a Reserva Florestal de Morro Grande e com o Município vargengrandense, da mesma forma que vários pesquisadores da Universidade de São Paulo-USP que, a propósito, produziram dois livros (8) sobre a importância ecológica da região no âmbito do desenvolvimento horti-fruti-granjeiro aqui alcançado pela emigração nipônica.

Já no caso do intelectual Baptista Cepellos, que nasceu em 10 de Dezembro de 1872 na casa dos pais onde, então, funcionava também Escola Rural de Vargem Grande, existem levantamentos muito sérios de vários outros intelectuais (9) que foram seus companheiros, quer na Faculdade São Francisco quer na formação da Academia Paulista de Letras - levantamentos que não deixam dúvidas quando ao carácter de liberdade individual e de criatividade com que o poeta vargengrandense encarou a vida, mesmo depois que o senador paulistano Peixoto Gomide matou a filha Sofia para impedir o seu casamento com o "simples" mortal que era aquele poeta do "sertam da Cuty", apesar de ter sido o primeiro ou um dos primeiros escritores do Brasil a ter livro traduzido e vendido na França!... Entre os textos e livros desses intelectuais incluo os meus e as anotações do jornalista Waldemar Paioli; foi, inclusive, pesquisando exaustivamente nos papéis daqueles intelectuais que encontrei as referências ao local de nascimento de Baptista Cepellos. Depois do famoso Caso Gomide (10), o poeta retirou-se para o Rio de Janeiro onde iniciou uma fantástica carreira lítero-dramatúrgica ovacionada pela crítica e pelo povo cariocas. Mas, a ausência da "sua querida Sofia" foi mais forte e, em 1915, no dia 15 de Maio, encontraram o poeta mortalmente mutilado numa pedreira de Cantagalo. E, nem pelo sucesso intelectual, a família e os políticos do "sertam da Cuty" foram buscar os restos mortais do ilustre Baptista Cepellos... A dívida dos cotianos e dos vargengrandenses com a memória cepelliana é grande pela Ignorância que comporta. Que se faça algo... é hora!

Sendo de grande importância a figura intelectual de Baptista Cepellos, também a presença da emigração nipônica nas bandas do Ribeirão da Vargem Grande, a partir dos Anos 30 do Séc. 20, e após a edificação da Cooperatica Agrícola Cotia (CAC) - que viria a tornar-se uma multinacional nos Ano 70-80 e a afundar-se pela mesma razão econômica -, virou simbolo de progresso sustentado no riquíssimo sistema ecológico vargengrandense.

Foi com o trabalho artesanal, primeiro, e com a industrialização adequada, depois, que a ruralidade horti-fruti-granjeira vargengrandense ganhou força política dando à região a autonomia distrital como passo decisivo para atingir a municipal.

Um processo administrativo similar foi tentado no distrito cotiano de Caucaia do Alto, uma região gêmea no que à riqueza ecológica diz respeito, mas não foi em frente por impecilhos políticos. O que demonstra as grandes possibilidade que existem para estas regiões, e particularmente Vargem Grande Paulista, de tornarem-se estâncias ecológico-turísticas como aconteceu com a vizinha municipalidade de São Roque.

Diga-se, pois, que a História de Vargem Grande Paulista é uma odisséia de muito trabalho e de amor à terra, em que pese, e muito, a falta de infraestrutura urbana, socio-turística e cultural... bem no rastro da Cotia da qual se desligou administrativamente. Existe na História de Vargem Grande Paulista uma perspectiva de grandes jornadas socio-políticas por um progresso sustentado - i.e., adequado à realidade ecológica local. O que não se pode é dormitar à sombra da própria História!
(João Barcellos - escritor, pesquisador e consultor cultural - jb@cotianet.com.br)


NOTAS: 1- Lendária trilha dos Povos da Floresta que levou ao esquecimento do Tratado de Tordesilhas logo qie Pizarro achou os Incas; 2- Povo Tupi-Guarani da Amazônia que migrou para a costa e dava o nome Koty (ponto-de-encontro, ou, a-casa-de) às aldeias que ía edificando; 3- Sesmaria dos Índios de Pinheiros e Barueri; 4- "a-volante", os aventureiros que no Séc 16 não fixavam residência no "sertam"; 5- "salteo", batalhão formado para guerrilha e difundido pelos árabes na Península Ibérica, no Séc. 11; 6- em 1998 a Igreja Católica, através do Vaticano, assumíu a sua responsabilidade no genocídio praticado por portugueses e castelhanos durante a Colonização Quinhentista; 7- intelectual suiço, membo do "Grupo Granja" (com João Barcellos, Tereza de Oliveira - im, Joane d’Almeida y Piñon e Mário Castro); 8- "Vargem Grande: rganizaçãoOrganização e Transformações De Um Setor Do Cinturão-Verde Paulistano", de Manoel Seabra, Instituto de Geografia/USP-1971 e "As Cooperativas Mistas Do Estado De São Paulo", idem, 1977; estas edições forma publicadas durante a administração do Prof. Aziz Ab’Sáber; 9- João do Rio, F. C. Lagreca, Olavo Bilac, Afonso Schmidt, Mário Castro e Castro Júnior, entre muitos outros; 10- O senador, além de matar a filha Sofia, suicidou-se.

FONTE: http://www.cotianet.com.br/joao_barcellos/009.htm

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