sábado, 9 de julho de 2011

A malfadada troca dos aneis de couro

A malfadada troca dos anéis de couro (série: Casos policiais)

Dentro da minha vivencia policial pude constatar, sem sombras de dúvidas
alguma, que o Delegado de Polícia combate o delinqüente, protege o povo,
investiga, aconselha, dirime conflitos, evita o crime, faz a paz, regula as
relações sociais e às vezes até faz o inacreditável só para satisfazer os anseios
das pessoas que o procura em busca de resolução das contendas mais
esquisitas possíveis.

Dentre tantas as delegacias e cargos de direção que assumi em mais de
duas décadas de carreira policial no estado de Sergipe, também trabalhei no
Departamento de Atendimento aos Grupos Vulneráveis da capital.

Certo dia subiu até o meu gabinete um cidadão, homossexual assumido,
querendo a providencia da Polícia para um fato inusitado, folclórico, que até
parece ser uma piada, mas que foi bem real, com a seguinte conversa:

- Doutor, eu não sei nem por onde começar, pois é a primeira vez que
estou diante de um Delegado. Asseverou.

- Fique tranqüilo cidadão, que você está perante a sua Policia protetora.
Esta Delegacia foi criada para cuidar dos casos em que os homossexuais
são vítimas, por isso esteja à vontade para falar do seu problema que
estamos aqui para lhe fornecer solução. Falei.

- Sabe o que é doutor... Eu não sei nem se o senhor vai poder me ajudar...

- Continue cidadão, mas sem muitas delongas. Vá direto ao assunto!...

- É que eu acertei com um amigo que também é gay pra gente trocar,
daí tiramos a sorte no par ou impar para ver quem ia primeiro, então ele
ganhou e foi, mas depois não me deixou ir...

Diante do caso esdrúxulo, tive que me conter para não dar uma sonora
gargalhada e continuei me fazendo de desentendido dando asas a história:

- Cidadão, você esta complicando demais, seja mais objetivo. Vocês
acertaram para trocar o quê?... Ele foi primeiro e depois não deixou você
ir para onde?...

- A gente acertou pra trocar os anéis de couro, aí ele comeu o meu
primeiro e depois não quis me dar o dele...

Morrendo de rir por dentro, dei mais corda para aquela situação hilária:

- Mas vocês colocam cada apelido no pobre do ânus. Por que anel de
couro?...

- Porque ele pode ficar em volta do pênis ou do dedo e assim vira um
verdadeiro anel de couro... Também tem outros apelidos e pode ser
chamado de aro, ás de copa, rabo, rosquinha, dengoso, cheiroso... E o
mais popular que todo mundo conhece, mas eu acho feio e chocante só
aquelas duas letras para um órgão tão importante, por isso gosto de usar
o apelido de anel de couro, pois além de tudo o termo sugere selar uma
aliança entre as partes...

- Sei!... Muito interessante cidadão, mas com essa troca de anéis de couro
entre você e seu amigo não houve crime algum e por isso a Polícia não
tem como interferir no caso.

- Eu sabia!... Sempre o mais fraco é prejudicado. Estou muito aborrecido
porque além de tudo ele fica rindo da minha cara quando a gente se
encontra. Vou terminar perdendo a paciência e fazendo uma besteira nele.

Durante todos esses anos de atuação policial, enfrentando o perigo ou
realizando investigações importantíssimas, além de funcionar também como
mediador, espécie de Juiz da primeira causa em milhares de contendas
sociais, me senti acuado em deixar de tentar resolver aquele caso que
demonstrava ser de fácil resolução ou até mesmo pela curiosidade da
novidade, resolvi então interferir no entrave que não era da alçada policial
ou de alçada alguma, mandando uma intimação para a parte adversa e, no
dia e hora marcados la estavam os dois gays no meu gabinete para que eu
resolvesse a estranha troca de “anéis de couro” não concretizada.

Depois da fala e das explicações da acusação que repetiu o acordo feito e a
quebra do contrato verbal existente entre as partes, então falou o acusado:

- Doutor, a história é essa mesmo, mas eu não dei porque já estava
cansado, gozei e perdi a vontade...

Como vi que se tratava de pessoa menos esclarecida e de fácil traquejo, então
realizei o famoso jus inrolandis no jargão policial, palavras latinas inventadas
que significam o “direito de enrolar”:

- Você não é homem não cidadão?... O homem que é homem
independente da sua opção sexual cumpre com a sua palavra... Você fez
um acordo e não cumpriu... Você enganou o seu colega... Você cometeu
um “estelionato carnal”, uma “fraude contratual anal”... Por isso eu posso
instaurar um Inquérito Policial por tais crimes e solicitar a sua prisão
preventiva à Justiça...

- Não doutor... A minha liberdade é a coisa mais importante que eu
tenho na vida, por isso eu me comprometo em cumprir a minha parte do
acordo... Basta que ele acerte a hora e o local que eu dou pra ele com
todo prazer... Até mais de uma vez que ele queira...
Daí pensando que já tinha sanado o problema emendei:

-Tudo resolvido!... Podem ir embora e marquem o local lá fora que eu
tenho mais o que fazer.

Mas aí a suposta vítima interveio inconformada:

- Agora eu também não quero mais não, doutor...

- E o que é que você quer finalmente cidadão?... Você veio incomodar
a Policia com qual objetivo?... (falei já chateado e arrependido em ter me
metido a resolver aquela safadeza)

- Eu quero ser indenizado pelo que ele me fez!...

Parei para contar até dez, suspirei, tomei fôlego, recobrei a calma e levei na
brincadeira indagando:

- E quanto é que vale o seu anel de couro cidadão?... (na verdade falei no
popular e em voz áspera)

- Se ele me pagar uma oncinha, está resolvido o problema e a gente até
volta a amizade de antes!...

- Você paga cinqüenta reais pelo anel de couro dele?... (falei também no
popular)

- Não vale não doutor, o senhor precisa ver...

- Cidadão, eu não preciso e nem quero ver nada, ouviu?... Eu estou lhe
perguntando se você paga o que ele está pedindo... Então você responda
se referindo somente a isso, compreendido?...

- Desculpe doutor, mas cinqüenta reais eu não pago, pois está muito caro.
Só dou vinte reais e ainda estou pagando muito...

E então interferiu novamente o pretenso lesado insatisfeito:

- Assim também ele está menosprezando demais o meu anel de couro,
doutor... Eu aceito quarenta reais...

Diante do espontâneo leilão, era a deixa que eu precisava como Juiz da causa
para bater o martelo:

- Vamos terminar com essa pouca vergonha dentro de uma Delegacia de
Polícia... Nem um nem outro. Trinta reais é a sentença final.

Depois de aceito o acordo e selada a paz, o suposto acusado entregou de bom
grado o dinheiro ao “lesado” que também se mostrou satisfeito com a quantia
recebida, e aí complementei para descontrair e encerrar a audiência:
- Da próxima vez que vocês vierem aqui com um problema desse tipo, eu
coloco os dois dentro do xadrez com o estuprador conhecido por “Tião
Pé-de-Mesa” que está há mais de dois meses sem ver mulher.

Eles riram e um deles rebateu:

- Desse jeito é melhor a gente quebrar o acordo agora mesmo, doutor!...

Autor: Archimedes Marques - Delegado de Policia Civil no estado de Sergipe.
(Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela UFS)
archimedes-marques@bol.com.br

es, ou, realizando investigaç, invadindo bocas de fumo e tudo mais, pois sempre gostei de
estar na linha de frente nas principa

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