Por Filipe Viliic, Giovana Romani e Maria Paola de Salvo
Fernando Moraes
Os poucos segundos de fúria do condutor da moto têm custado meses de recuperação a Archangelo. Para retirar o projétil que havia se alojado em seu crânio, estancar uma hemorragia e remover estilhaços de osso do cérebro, o publicitário passou por duas cirurgias. Ficou 47 dias internado. Quando saiu do hospital, não conseguia andar nem falar. Começou a conversar em fevereiro e só voltou a ficar de pé em março, após muitas sessões de fisioterapia. Deu seus primeiros passos apenas em abril. Tem as pernas e os braços rígidos e caminha com extrema dificuldade. Alterada, sua voz é entremeada de pausas. O tiro danificou ainda outras funções do cérebro. Ele sofre para se lembrar dos conhecidos, de quantas vezes por semana vai ao médico (de segunda a sexta) ou de uma notícia que acabou de ver na TV. "Quero voltar a ser normal", diz, com o rosto apático e o olhar distante. "Sonho em surfar, trabalhar e sair com amigos de novo." Apesar de as investigações policiais continuarem, o motoqueiro não foi identificado.
"O tiro que tomei na testa danificou o meu cérebro. Hoje, não consigo me lembrar nem do que acabei de assistir na TV."O publicitário Mariano Archangelo levou um tiro na testa, há sete meses, após o motorista do carro em que ele estava ter discutido com um motoqueiro. Faz fisioterapia três vezes por semana.
Fernando Moraes
"Por causa deste pequeno arranhão no retrovisor, deixei de fechar um negócio de 60 000 reais."Luciano de Morais Pinho, comerciante ameaçado com uma arma por uma guarda-civil há duas semanas
No dia 30 de junho, o motorista Jair Olímpio de Almeida Júnior, de 22 anos, foi assassinado durante um desentendimento na Zona Leste. A bordo de uma picape Corsa e acompanhado de um amigo, ele reduziu a velocidade ao encontrar uma lombada eletrônica na Rua Cônego Antônio Manzi, em São Miguel Paulista. O condutor do Fiat Tipo vinho que estava logo atrás buzinou e tentou ultrapassá-lo. De acordo com as investigações da polícia, Júnior acelerou por duas vezes para não deixá-lo passar. Na terceira tentativa, o motorista do Tipo teria baixado a janela dianteira e disparado três tiros, um deles no tórax de Júnior, que morreu na hora. Protegido pela película escura em todos os vidros, inclusive no dianteiro, o assassino fugiu sem ser visto. "Ele não gostava que as pessoas o cortassem no trânsito, mas era um cara pacífico", afirma o irmão de Júnior, o comerciante Vanderlei José da Silva. "Nada justifica essa barbárie."
Uma pesquisa realizada pelo instituto Gallup em 23 países, há seis anos - o Brasil não foi incluído -, apontou que 66% dos americanos e 48% dos europeus já se envolveram em incidentes relacionados à direção agressiva. Os engarrafamentos são a fonte número 1 de irritação para 61% dos 1 500 motoristas de oito capitais brasileiras, incluindo a paulista, ouvidos em um levantamento de 2006 da Associação Brasileira de Monitoramento e Controle Eletrônico de Trânsito (Abramcet). Os que mais se incomodam são os que rodam em São Paulo. Razões não faltam. A frota circulante paulistana, com 3,5 milhões de veículos, ganhou, só no mês passado, 33 430 novos carros. A média de lentidão no pico da manhã saltou de 65 quilômetros em 1997 para 91 quilômetros onze anos depois. No Brasil, não existem estatísticas sobre agressões no trânsito nem punições específicas para elas.
Fernando Moraes
"Se eu estiver certo, persigo o motorista e vou até o fim. Já arranquei uns três retrovisores e quebrei o vidro de um carro."Rafael Militão, entregador de pizza
Fernando Moraes
Fernando Moraes
"Ela me fechou, desceu do carro e começou a socar a minha cabeça contra a coluna do cinto de segurança. Eu a processei e ganhei."Graziela Martins, comerciante agredida no Túnel Max Feffer
Fotos Alex Silva/AE
Se não tivesse reagido aos insultos da motorista de um Land Rover, a comerciante Graziela Martins teria evitado uma briga que começou na Marginal Pinheiros, há quatro anos, e foi parar nos tribunais. Depois de ser fechada, ela insultou a outra motorista. A troca de xingamentos seguiu por vários quilômetros até o Túnel Max Feffer, no Itaim Bibi, quando a condutora do Land Rover desceu do carro, partiu para cima do Fiesta de Graziela e começou a socar a cabeça da comerciante contra a coluna do cinto de segurança do veículo. "Terminei com um baita galo, um ombro roxo e vários fios de cabelo a menos", conta. "Queria acertá-la, mas me controlei, o que me ajudou a ganhar o processo movido contra ela depois."
Pablo de Souza/Cia de Luz
"Já me envolvi em discussões com motoboys e motoristas de ônibus. Nessas horas, fico cega e perco a noção do perigo."A fotógrafa Adriana Spacca, que há duas semanas bloqueou duas pistas da Praça Panamericana, em Pinheiros, para discutir com o motorista de uma Kombi
Nem mesmo os responsáveis por zelar pela segurança pública estão imunes a surtos. No último dia 15, a guarda-civil Claudia Tavares da Silva não se segurou quando teve o retrovisor de seu Palio raspado pelo Chevrolet Classic do comerciante Luciano de Morais Pinho, na Avenida dos Bandeirantes. Depois de anotar a placa de Pinho, ela o perseguiu até a Avenida Brigadeiro Faria Lima. Da janela do veículo, apontou uma arma na direção dele, dizendo-se policial (o que, aliás, não é). "Fiquei com medo, parei num posto e resolvi chamar um bombeiro que passava por ali", lembra o comerciante. Segundo o relato de testemunhas que consta no boletim de ocorrência, ela ainda teria jogado o carro contra o bombeiro por duas vezes para tentar escapar. Só foi contida depois que dois homens da PM chegaram e tiraram a chave do contato de seu automóvel. Como Claudia portava um revólver particular fora do horário de serviço e não tinha permissão para o uso, ela responderá a um inquérito policial por porte ilegal de arma. Também será investigada pelos crimes de ameaça, injúria, desacato e por ter afirmado ser policial. "Tive de gastar horas na delegacia e perdi um negócio de 60.000 reais", diz Pinho. No trânsito, a raiva ao volante sempre traz prejuízos. Para evitá-los, o melhor é levar o desaforo para casa.
Como fugir de confusões
Tente sair de casa sempre com alguma antecedência, contando com imprevistos pelo caminho
Evite guiar quando estiver nervoso ou após uma discussão. Concentre-se em dirigir e resolva os outros problemas depois
Deixe o celular de lado enquanto estiver ao volante. Além de ser uma infração, falar enquanto se está dirigindo distrai e pode causar acidentes que sempre são fonte de discussão
Em vez de amaldiçoar o congestionamento, encontre maneiras de torná-lo menos maçante. Músicas e audiobooks ajudam a desanuviar os pensamentos
Buzinar milhares de vezes não vai fazer o trânsito fluir. Não manifeste sua raiva ferindo os ouvidos alheios
Pense em quantas vezes você já fechou alguém, se esqueceu de dar seta ou cometeu os erros que tanto o incomodam no tráfego
Respeite as leis de trânsito. Sinalizar ao mudar de faixa e evitar costurar são atitudes valiosas para não se envolver em brigas
Seja educado. Se pedirem passagem, dê. Não faça gestos obscenos nem diga palavrões. Evite dar luz alta
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