PORTE DE ARMA AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5011986-91.2012.404.0000/PR


Meus amigos,
Segue voto condutor de decisão acatada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Esta, senhores, é uma das poucas vezes, na História do Brasil, em que o Paraná sai na frente.
A decisão pioneira e corajosa do nosso superintendente da PF está convalidada pelo Judiciário.
Agora, é só encorajar os superintendentes dos demais Estados.
Em frente!
Abraço a todos.

Marcelo Jugend



AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5011986-91.2012.404.0000/PR

RELATOR
: LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AGRAVADO : MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU
: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão
que negou pedido de antecipação de tutela, que se objetivava a declaração de nulidade de
ato administrativo praticado pelo Superintendente Regional da Polícia Federal no Paraná, ao
conceder Porte de Arma de Fogo Funcional, mesmo fora de serviço, aos integrantes da Guarda
Municipal de Foz do Iguaçu/PR.
As razões recursais, em síntese, propugnam pelo efeito suspensivo ativo, tendo em vista tratar-
se de questão que envolve a segurança das pessoas, bem como existir inconstitucionalidade da
lei que permite o uso de armas pela guarda municipal.

Recebido o recurso, foi-lhe indeferido o pedido de efeito suspensivo.

Com contrarrazões (evento 8).

A parte agravante apresentou pedido de reconsideração (evento 9).

É o relatório.

VOTO

Ao analisar o pedido de efeito suspensivo proferi a seguinte decisão:

A decisão agravada restou assim fundamentada:
Trata-se de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal em face da União e do
Município de Foz do Iguaçu, objetivando a declaração de nulidade de ato administrativo praticado pelo
Superintendente Regional da Polícia Federal no Paraná, ao conceder Porte de Arma de Fogo Funcional,
mesmo fora de serviço, aos integrantes da Guarda Municipal de Foz do Iguaçu/PR.
Refere o MPF, que diante da notícia da utilização irregular de armas de fogo por integrantes da Guarda
Municipal de Foz do Iguaçu, deu início a procedimento administrativo, posteriormente transformado em
Inquérito Civil Público.
Aduz, ainda, que emitiu a Recomendação PRM/FI/PR n° 13/2011 ao Superintendente Regional da
Polícia Federal no Paraná, no sentido da anulação do ato antes referido, a qual, no entanto, não foi
acatada.
Sustenta, em apertada síntese, que o mencionado ato extrapola os poderes-deveres administrativos
decorrentes da Constituição Federal, na medida em a Carta Maior não previu a atuação das Guardas
Municipais em atividade de segurança pública, mas apenas na proteção de seus bens, serviços e
instalações. Aduz, ainda, que o Estatuto do Desarmamento (Lei n° 10.826/03) estabeleceu que o porte
de armas a integrantes de guardas municipais de municípios com mais de 50.000 e menos de 500.000
habitantes seja apenas em serviço.
Pleiteia antecipação dos efeitos da tutela para o fim de que sejam suspensos os efeitos do ato
administrativo sob comento.

Intimada para os fins do art. 2° da Lei n° 8.437/92, a União alegou preliminar de falta de interesse
processual, por inadequação da via eleita. Aventou, ademais, a ausência de periculum in mora, bem
como a impossibilidade de concessão de liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação
(evento 7).
Em cumprimento ao despacho proferido no evento 9, o Ministério Público Federal corrigiu o polo
passivo da demanda e incluiu o Município de Foz do Iguaçu (evento 12).
Intimado na forma do art. 2° da Lei n° 8.437/92, o Município de Foz do Iguaçu aduziu, em síntese,
inadequação da via eleita e impossibilidade de antecipação de tutela satisfativa. No mérito, defendeu a
legalidade do ato impugnado (evento 16).
Brevemente relatado, passo a examinar o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.
Preliminar de falta de interesse processual
Alegam, União e o Município de Foz do Iguaçu, falta de interesse processual do Ministério Público
Federal, ao argumento de que a via processual eleita é inadequada. Sustentam que em conformidade
com a Lei n° 7.347/85, a função primordial da ação civil pública é responsabilizar os agentes causadores
de danos ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico, o que não se verifica no presente caso.
Em que pese os argumentos invocados pelas rés, afasto a preliminar em questão.
É que, na hipótese em comento, conforme esclarecido na petição inicial, busca o Ministério Público
Federal a desconstituição de ato administrativo pretensamente ilegal, passível de ocasionar lesão a
direitos fundamentais relacionados à vida e à segurança pública.
Nesse sentir, em se tratando de pretensão voltada à proteção e defesa de interesses sociais e individuais
indisponíveis, e, além disso, plenamente condizente com as funções institucionais do Ministério Público,
mostra-se adequada sua veiculação por meio de ação civil pública.
Essa, aliás, a interpretação que vem sendo conferida ao assunto pelo Supremo Tribunal Federal,
consoante se infere dos julgados ora colacionados, que por analogia se aplicam ao caso:
CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. MUNICÍPIO: APLICAÇÃO,
NO ENSINO, DO PERCENTUAL DE 25% DA RECEITA PROVENIENTE DE IMPOSTOS. INTERESSE
SOCIAL RELEVANTE: LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. C.F., art. 127, art. 129,
III, art. 212. I. - Ação civil pública promovida pelo Ministério Público contra Município para o fim de
compeli-lo a incluir, no orçamento seguinte, percentual que completaria o mínimo de 25% de aplicação
no ensino. C.F., art. 212. II. - Legitimidade ativa do Ministério Público e adequação da ação civil
pública, dado que esta tem por objeto interesse social indisponível (C.F., art. 6º, arts. 205 e segs, art.
212), de relevância notável, pelo qual o Ministério Público pode pugnar (C.F., art. 127, art. 129, III). III.
- R.E. conhecido e provido.
(RE 190938, CARLOS VELLOSO, STF) (grifei).
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. REEXAME DE PROVAS. MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE ATIVA. 1. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso
extraordinário. Súmulas ns. 279 e 454 do Supremo Tribunal Federal. 2. O Ministério Público tem
legitimidade ativa para propor ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do
meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos. Agravo regimental a que se nega
provimento.(AI-AgR 718547, EROS GRAU, STF) (grifei).
Portanto, diante dos fundamentos expostos, rejeito a preliminar de ausência de interesse processual.
Possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela
A União e o Município de Foz do Iguaçu também sustentam a impossibilidade de concessão de liminar
no caso concreto, vez que se revestiria de inequívoco caráter satisfativo, esgotando o objeto do feito.
A concessão da medida liminar, no caso concreto, nao torna irreversível o provimento (art. 273, §2º, do
Código de Processo Civil), uma vez que eventual suspensão dos efeitos do ato administrativo atacado
poderá ser revertida em sede de sentença ou de qualquer outra decisão, com a consequente manutenção
do porte de arma nas condições inicialmente deferidas.
Pedido de antecipação dos efeitos da tutela
Pleiteia o Ministério Público Federal concessão de provimento antecipatório para fins de suspensão do
ato administrativo que concedeu porte de arma de fogo funcional, mesmo fora de serviço, a integrantes
da Guarda Municipal de Foz do Iguaçu.
Inicialmente, para que nao paire dúvida, ressalto que o pedido do Ministério Público Federal se
restringe ao reconhecimento da suposta ilegalidade na manutenção, fora do horário de serviço, de
armamento da corporação por parte de guardas municipais.
Não há, friso, qualquer pedido de total desarmamento da Guarda Municipal durante o serviço, como
inicialmente veiculado pela imprensa de Foz do Iguaçu.
Também nao se discute nesta ACP os limites da atuação da Guarda Municipal.

Discute-se nesta ACP, só e tão somente, o porte de arma de fogo funcional, pelos Guardas Municipais,
fora do horário de serviço.
Feitos esses esclarecimentos, passo ao exame do pedido de liminar.
A Constituição Federal, no capítulo referente à Segurança Pública, especificamente no tocante às
guardas municipais, dispôs o seguinte:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes
órgãos:
(...)
§ 8°. Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços
e instalações, conforme dispuser a lei.
(...)
De acordo com a norma em referência, o legislador constitucional conferiu às guardas municipais a
missão de proteção e defesa do patrimônio e serviços dos Municípios.
Embora a Constituição Federal restrinja a atuação da Guarda Municipal, em Foz do Iguaçu a Guarda
Municipal tem ocupado espaço ocasionado pela insuficiência de pessoal das instituições responsáveis
pela segurança pública.
E aqui cabe repisar: a questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da incursão da guarda
municipal no âmbito de atuação das forças policiais escapa ao objeto deste processo e não será
analisada nesta sede, primeiro porque inexistente pedido explícito, e segundo porque, em princípio,
faleceria legitimidade ao Ministério Público Federal para levantá-la.
Voltando ao raciocínio, basta recorrer à imprensa escrita e televisiva para verificar o amplo espaço de
atuação da Guarda Municipal, especialmente no combate à criminalidade.
Vê-se, todos os dias, o empenho dos referidos guardas em prol da manutenção da ordem no Município.
A propósito, veja-se na página 11 do INQ4 do evento 1 que só em 2010 a Guarda Municipal de Foz
do Iguaçu atendeu 9.816 ocorrências, das quais 1.831 se referiam a ocorrências policiais. No mesmo
período houve 65 veículos recuperados, 113 apoios a órgãos federais e 195 a órgãos estaduais, além de
476 prisões, 42 armas apreendidas etc.
No que tange ao porte de arma de fogo, a Lei n° 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), trouxe em seu
bojo previsão expressa no que diz respeito à concessão de porte aos integrantes das guardas municipais,
in verbis:
Art. 6o É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos
em legislação própria e para:
I - os integrantes das Forças Armadas;
II - os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal;
III - os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de
500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei;
IV - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinqüenta mil) e menos
de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço;
V - os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de
Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;
VI - os integrantes dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição
Federal;
VII - os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de
presos e as guardas portuárias;
VIII - as empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas, nos termos desta Lei;
IX - para os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas
demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a
legislação ambiental.
X - integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do
Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário.
§ 1o As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do caput deste artigo terão direito de portar arma
de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de
serviço, nos termos do regulamento desta Lei, com validade em âmbito nacional para aquelas constantes
dos incisos I, II, V e VI (grifei).
(...)
Em conformidade com o referido texto legal, nas capitais dos Estados e dos Municípios com mais de
500.000 habitantes é permitido o porte de arma de fogo nos moldes do regulamento.

Já nos Municípios com população entre 50.000 e 500.000 habitantes - como é o caso do Município de
Foz do Iguaçu -, é permitido o porte de arma de fogo funcional, por integrantes das guardas municipais,
apenas quando em serviço.
Regulamentando referido dispositivo, o art. 34, parágrafo 4º do Decreto n. 5.123/2004 dispõe que:
Art. 34. Os órgãos, instituições e corporações mencionados nos incisos I, II, III, V, VI, VII e X do caput
do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, estabelecerão, em normativos internos, os procedimentos relativos
às condições para a utilização das armas de fogo de sua propriedade, ainda que fora do serviço.
(Redação dada pelo Decreto nº 6.146, de 2007.
(...)
§ 4o Não será concedida a autorização para o porte de arma de fogo de que trata o art. 22 a integrantes
de órgãos, instituições e corporações não autorizados a portar arma de fogo fora de serviço, exceto se
comprovarem o risco à sua integridade física, observando-se o disposto no art. 11 da Lei no 10.826, de
2003. (Incluído pelo Decreto nº 6.715, de 2008).
Por fim, o parágrafo único do art. 3º da Portaria n. 365 DG/DPF de 15 de agosto de 2006:
Parágrafo único. Os Superintendentes Regionais da Polícia Federal e o Coordenador-Geral de Defesa
Institucional da Diretoria Executiva do DPF poderão autorizar, por meio de ato administrativo
específico e fundamentado, o porte de arma de fogo funcional, fora de serviço, a integrantes das Guardas
Municipais dos municípios com mais de 50.000 (cinqüenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil)
habitantes, quando a medida se justificar por razões excepcionais:
I - de segurança pública, cumpridos os requisitos do artigo 2º desta Portaria, e
II - de segurança pessoal, nos termos do artigo 10, § 1º, da Lei n.º 10.826/03.
Com base nos dispositivos supramencionados, o Superintendente Regional da Polícia Federal no Paraná
autorizou o porte de arma funcional, em serviço e fora dele, aos integrantes da Guarda Municipal
de Foz do Iguaçu/PR, bem como permitiu transitarem nos municípios de São Miguel do Iguaçu/PR e
Santa Terezinha de Itaipu/PR, quando em deslocamento para o local de trabalho ou retorno para suas
residências, além da região denominada 'Ilha do Bananal' (evento 1, INQU4).
Analisando os dispositivos regulamentares que embasaram a decisão da Superintendência Regional da
Polícia Federal no Paraná, entendo, ao menos neste exame provisório, não existir ilegalidade.
O Decreto n. 5.123/2004, que regulamenta a Lei n. 10.826/2003, conhecida como 'Estatuto do
Desarmamento' foi editado com base no Poder Normativo ou Regulamentar da Administração Pública,
que é outorgado ao Chefe do Poder Executivo da União, dos Estados e dos Municípios para a edição de
normas complementares à lei, com vistas à sua fiel execução (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
Administrativo, 12 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 87).
Segundo leciona Clèmerson Merlin Clève, a atividade legislativa do Poder Executivo pode ser dividida
em 3 (três) espécies: a) atividade normativa primária decorrente de atribuição (medidas provisórias);
b) atividade normativa primária decorrente de delegação (leis delegadas); c) atividade normativa
secundária (regulamentos) (CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade Legislativa do Poder Executivo. 2ª ed.,
rev., atual. e ampl. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2000, Título III).
Em sentido estrito, regulamento é o ato normativo secundário editado pelo chefe do executivo. Trata-se,
em verdade, de critério material de decisão de casos concretos (CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p.
271 e 276).
O poder regulamentador encontra justificação material no fato de a potestade regulamentar da
Administração ser imprescindível à consecução de sua atividade-fim. A justificação formal, no Brasil, é
extraída da Constituição (art. 84, IV, da Constituição Federal).
Decorrem do poder regulamentador, dentre outros, os regulamentos autônomos e os regulamentos de
execução.
Os regulamentos autônomos, em síntese, são criados pelo Chefe do Executivo em decorrência de
atribuição direta da Constituição. Os regulamentos de execução, por sua vez, são atos administrativos
normativos, contendo comandos gerais com vistas à correta aplicação da lei. Baseiam-se, pois, na lei.
Os regulamentos são orientados por diversos princípios. Dentre eles, merece especial ênfase para a
resolução do caso concreto o princípio da autonomia da atribuição regulamentar, pelo qual a edição
de regulamento independe de autorização legislativa, encontrando seu fundamento não na lei, mas na
própria norma constitucional.
Isto quer significar que: (i) com ou sem previsão legal (do regulamento, evidentemente), poderá o
Presidente da República regular as leis cuja aplicação desafiem ação administrativa; (ii) não pode o
Legislador proibir a atuação do poder regulamentar do Presidente da República; regra geral desse
quilate será nula por inconstitucional; (iii) para a manifestação da ação regulamentar, basta a existência
prévia de lei não auto-executável exigente de atuação administrativa (CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op.
cit., p. 290).

Dito isto, no caso concreto, ao contrário do que afirma o MPF, o decreto que regulamenta o Estatuto
do Desarmamento, em especial no tópico que concede porte aos guardas municipais em situações
excepcionais, tem natureza executiva, vez que lavrado nos moldes do art. 84, IV, da Constituição
Federal, e não de decreto autônomo, cuja constitucionalidade a doutrina majoritária rechaça.
Com efeito, segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, só a lei inova em caráter inicial na
ordem jurídica, e, citando Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, esclarece: a distinção entre lei e
regulamento 'está em que a lei inova originariamente na ordem jurídica, enquanto o regulamento não
a altera (...). É fonte primária do Direito, ao passo que o regulamento é fonte secundária, inferior'
(MELLO, celso Antônio bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17 ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros Editores, p. 312).
Na verdade, a questão da inovação da ordem jurídica há que se analisada com reservas. A propósito,
Clèmerson Merlin Clève doutrina:
Alguns autores pretendem que o regulamento presta-se para detalhar a lei. Nestes termos, caberia à lei
não mais do que dispor, de modo principiológico e genérico ('lei de bases'), sobre esta o aquela matéria,
sendo papel do regulamento detalhar os conceitos dispostos na lei. Ainda outros pretendem demonstrar
que cumpre à lei inovar a ordem jurídica, enquanto o regulamento nada mais faz do que precisar os seus
termos. Diógenes Gasparini critica esta concepção, demonstrando que, não apenas a lei, mas inclusive
o regulamento inova a ordem jurídica. E deve, afinal, inová-la 'sob pena de repetir lei e se tornar inútil'.
Referida crítica merece temperamento. O regulamento inova a ordem jurídica, mas não do mesmo modo
que a lei. A lei inova, originariamente, ao passo que o regulamento inova de modo derivado, limitado,
subordinado, ou seja, sem a autonomia da lei. (CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p. 280) (destaquei).
Com base no exposto, poder-se-ia cogitar de ilegal disposição veiculada em Decreto que estabelecesse,
indistintamente, porte de arma de fogo funcional para guardas municipais em qualquer ocasião e sem
considerar qualquer peculiaridade.
Todavia, o Decreto impugnado possibilita o porte de arma funcional extra officium justificado pela
comprovação de risco à integridade física do guarda municipal.
Em outras palavras, o Decreto apenas excepciona a concessão de porte de arma fora do serviço com
base em situação singular, situação essa perfeitamente presente na atuação da Guarda Municipal de Foz
do Iguaçu, e não há nisso ampliação indevida do conteúdo da regra regulamentada.
Como narrado acima, em razão do amplo espectro de atuação da Guarda Municipal, agravado pela
conhecida insuficiência de pessoal componente das diversas forças de segurança, o contato recorrente
dos guardas municipais com o mundo do crime os deixa inevitavelmente expostos à criminalidade. Fora
do expediente, sem as armas, ficarão expostos à sorte e absolutamente desprotegidos.
Neste sentir, dadas as peculiaridades apresentadas, não vejo ilegalidade em estender-lhes a mesma
garantia conferida a outras categorias policiais.
A manutenção do porte de arma de fogo, tal como autorizado pela Superintendência Regional da Polícia
Federal no Paraná, representa ato de supremacia do interesse público sobre o particular, que, ao
lado da indisponibilidade do interesse público, caracterizam as pedras-de-toque do regime jurídico-
administrativo.
E não falo de prevalência do interesse público secundário (da administração), mas sim do interesse
público primário - da sociedade, que, como dito, depende - para sua segurança - da atuação da Guarda
Municipal.
Por consequência, diante da prevalência da supremacia do interesse público primário sobre o particular,
princípio orientador do regime jurídico-administrativo, recomenda-se rejeitar a aventada ilegalidade.
Saliento que a extensão do porte, tal como deferido administrativamente pela Superintendência da
Policia Federal no Paraná, não representa impunidade a eventuais excessos praticados pelo Guarda
Municipal detentor do porte da arma de fogo.
Tais excessos, caso ocorram, deverão ser devidamente apurados pelo órgão corregedor, responsável
pelo exercício do poder disciplinar da instituição, assim como ocorre em casos semelhantes envolvendo
policiais federais, civis e militares, dentre outros.
O que não parece recomendável, porém, é impedir o porte de arma de fogo, ainda que fora do serviço,
em razão de excessos episódicos por parte de alguns.
Diante do exposto, não vislumbro ilegalidade no ato praticado pelo Superintendente da Polícia Federal
no Paraná ao conceder porte de arma funcional, mesmo fora de serviço, aos guardas municipais de Foz
do Iguaçu, pois amparado pelo artigo 34, § 4º, do Decreto 5123/2004 (incluído pelo Decreto nº 6.715, de
2008), já que existe risco à integridade física dos Guardas Municipais.
Como reforço argumentativo, e sem prejuízo da conclusão até aqui esposada, saliento que a doutrina e a
jurisprudência vêm entendendo pela ausência de razoabilidade, e até mesmo pela ofensa ao princípio da
igualdade, na distinção preconizada entre os incisos III e IV do art. 6º do Estatuto do Desarmamento.

É que o critério objetivo erigido pelo legislador, consistente na limitação do porte de arma somente
quando em serviço aos guardas municipais em cidades com mais de 50.000 e menos de 500.000
habitantes, bem como aos integrantes das guardas municipais dos Municípios que integram regiões
metropolitanas, destoa da logicidade.
Em outras palavras, para esta corrente, deveria haver porte de arma de fogo para guardas municipais
em qualquer situação.
Neste sentido:
'... não há sentido em obstar o porte de arma e permitir que esses funcionários públicos fiquem à mercê
dos bandidos quando não estiverem trabalhando. Não é a quantidade de habitantes de uma cidade que
deve ensejar a autorização para o porte de arma, ou não, mas a natureza do serviço, que no caso o exige.
Permitir que apenas os guardas civis das capitais dos Estados ou das cidades com mais de 500.000
habitantes possam portar arma de fogo pertencente à instituição fora do serviço fere o princípio da
isonomia, uma vez que está sendo dado tratamento desigual a situações semelhantes.' (DA SILVA, Cesar
Dario Mariano. Estatuto do Desarmamento. Editora GZ. 4ª edição. 2009, p. 43)
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo se manifestou sobre o assunto:
RECURSO EX OFFICIO. Porte de arma por guarda civil municipal em Municípios com mais de 50 mil
habitantes e menos de 500 mil, fora do horário de serviço Reconhecimento de inconstitucionalidade
do art. 6o, IV, da Lei nº 10 826/03. Ofensa ao princípio da isonomia. Concessão de salvo- conduto
em Habeas Corpus para que paciente, guarda civil municipal do Município de Piracicaba, não fosse
preso em flagrante, por porte de arma fora do horário de serviço. Não é o número de habitantes de um
município que indicará a real violência existente no local. Decisão mantida. Recurso desprovido. (TJSP;
RN 990.09.314179-5; Ac. 4333495; Piracicaba; Sexta Câmara de Direito Criminal; Rel. Des. Machado
de Andrade; Julg. 11/02/2010; DJESP 23/03/2010)
Ante o exposto, nada obstante meu irrestrito respeito ao Ministério Público de Foz do Iguaçu,
INDEFIRO o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

Nos termos do artigo 131 do CPC 'o juiz apreciará a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias
constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, os motivos que lhe
formaram o convencimento.'

In casu, a decisão agravada deve ser mantida pelos próprios fundamentos, uma vez que todos os pontos
relevantes foram analisados.
Ante o exposto, no termo da fundamentação, indefiro o efeito suspensivo.

Não vejo razões para modificar o entendimento acima adotado.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento e julgar prejudicado o pedido
de reconsideração.

Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle
Relator

Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo
Aurvalle, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006
e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade
do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/
verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 5304300v4 e, se solicitado, do
código CRC AD513BB6.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a):
Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle
Data e Hora:
19/09/2012 17:38






Nenhum comentário:

Postar um comentário