As armas “não letais” não existem



No livro “Eu, Robô” (1950), Isaac Asimov estabelece três leis 
para o desenvolvimento da robótica. A primeira delas diz que 
“Um robô não pode ferir um ser humano”, e a segunda que 
“Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por
 seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens 
entrem em conflito com a Primeira Lei”. A definição de robótica
 de Asimov parece um tanto utópica, pois desconsidera
 um fator chave: nada garante que os seres humanos 
se utilizem da tecnologia robótica para fins escusos, 
infringindo as leis acima.
Esta observação sobre a robótica guarda alguma semelhança
 com o entusiasmo que muitas vezes se pratica em torno das
 “armas não letais” (pistolas de descarga elétrica, espargidores
 de pimenta etc), como se estas, sozinhas, tivessem a 
responsabilidade de tornar as polícias menos letais, mais
 humanas, menos agressivas.
É verdade que sem a disponibilização dos devidos equipamentos, 
um policial não conseguirá cumprir a cartilha do Uso 
Progressivo da Força, que determina que o exercício
 da força legal obedeça a patamares sucessivamente 
graduados. Para evitar o crime, o policial inicia sua atuação 
com a mera presença ostensiva, passando pela 
verbalização, seguindo-se o uso de técnicas de imobilização 
do suspeito até chegar o uso letal da arma de fogo.
Mas é falacioso dizer que, apenas por estar portando 
certos equipamentos, o policial está apto a exercer 
moderadamente a força. Há ainda que se considerar, pelo 
menos, o elemento técnico – o policial sabe utilizar no momento 
adequado o equipamento que porta? – e o elemento 
ético-moral – o policial quer utilizar a arma para um
 fim humano legítimo?
É preciso lembrar que uma pessoa que tenha alguma 
doença respiratória pode morrer com o uso de sprays 
“não letais”. As armas que realizam descargas elétricas
 podem matar, a depender das circunstâncias. Mesmo 
um golpe de defesa pessoal pode ter como efeito o óbito. 
Aliás, qualquer objeto pode ter este efeito (desde uma 
pedra até uma caneta).
Mas isto não é questionado, para o bem da imagem das 
corporações policiais, e para evitar o trabalho dos governos 
com reformas educacionais e culturais nas polícias.
Em resumo: precisa-se discutir menos a aquisição e uso de 
armas “não letais”, e valorizar a reflexão sobre profissionais 
policiais menos letais. Ou então, vamos acreditar na criação 
de armas no modelo robótico proposto por Asimov, que 
disciplina as máquinas, mas esquece dos homens.

Autor:  - Tenente da Polícia Militar da 
Bahia, associado ao Fórum Brasileiro de Segurança 
Pública e graduando em Filosofia pela UEFS-BA

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