domingo, 18 de dezembro de 2011

Em seminário no Rio de Janeiro, Alto Comissário da ONU alerta sobre ‘pandemia da violência armada’ no mundo


O Alto Comissário das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento, o brasileiro Sérgio Duarte. Foto: Pieter Zalis/UNIC Rio.

O Alto Comissário das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento, o brasileiro Sérgio Duarte. Foto: Pieter Zalis/UNIC Rio.

Em todo o mundo, cerca de 850 pessoas morrem todos os dias em consequência do uso de armas de fogo. No Brasil, esse número é de 85 pessoas por dia.

“O direito humano mais fundamental é o direito à vida, e uma sociedade armada fisicamente e em seu espírito acaba sendo um dos principais obstáculos à garantia desse direito humano básico”, afirmou nesta segunda-feira (12/12) o Alto Comissário das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento, o brasileiro Sérgio Duarte. Para ele, os números representam uma “pandemia da violência armada”.

Os dados foram apresentados durante a abertura do seminárioDesarmamento, Controle de Armas e Prevenção à Violência,realizado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) para marcar o Dia Internacional dos Direitos Humanos (10/12).

O Coordenador Residente da ONU no Brasil, Jorge Chediek, disse que o seminário foi idealizado após a tragédia na escola do bairro carioca de Realengo, no início deste ano, quando o estudante Wellington matou 12 crianças com uma arma de fogo. “O propósito do seminário não é lamentar, e sim demonstrar que muitas coisas estão sendo feitas. Experiências bem sucedidas do Brasil têm sido referência para outros países”.

O Coordenador Residente da ONU no Brasil, Jorge Chediek, disse que experiências bem sucedidas do Brasil têm sido referência para outros países. Foto: Pieter Zalis/UNIC Rio.

O Coordenador Residente da ONU no Brasil, Jorge Chediek, disse que experiências bem sucedidas do Brasil têm sido referência para outros países. Foto: Pieter Zalis/UNIC Rio.

No país, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a ONU atua com o treinamento de pessoal e na destruição de armas pequenas, além de propiciar tratados multilaterais e normas.

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Em 2010, segundo o Embaixador Sérgio Duarte, as despesas dos países com armas foi de 1,5 trilhão de dólares. “Um colossal desperdício de recursos, principalmente pelas vidas perdidas”. Ele questionou ainda a distância entre os compromissos assumidos pelos países e “a ausência de leis, instituições domésticas e orçamento.”

Outro caso lembrado no seminário foi o assassinato da juíza Patrícia Acioli. A principal pista usada na investigação do crime, segundo o representante da ONG Viva Rio, Antônio Rangel Bandeira, foi fruto da resolução da ONU sobre rastreamento de armas, adotada em 2001. Graças às marcas deixadas nas cápsulas das balas usadas no crime, foi possível localizar o responsável pela compra da munição.

Em junho de 2012, está previsa a segunda revisão da conferência das Nações Unidas sobre a comercialização de armas, quando os países deverão avaliar seus compromissos e implementar novas resoluções.

Custo social da violência

“A falta de segurança tem um custo social bastante elevado”, afirma o Secretário Executivo do Ministério da Justiça e Vice-Ministro, Luis Paulo Barreto, para quem o caminho do desarmamento também passa por campanhas.

Secretário Executivo do Ministério da Justiça e Vice-Ministro, Luis Paulo Barreto. Foto: Pieter Zalis/UNIC Rio

Secretário Executivo do Ministério da Justiça e Vice-Ministro, Luis Paulo Barreto. Foto: Pieter Zalis/UNIC Rio

Segundo Barreto, um dos palestrantes do painel ‘O Controle de Armas na América Latina: Avanços e Desafios’, a campanha “Tire uma arma do futuro do Brasil”, promovida este ano pelo Governo Federal, recolheu 35 mil armas de fogo no país ao longo de sete meses. Dentre elas, 91 fuzis, de uso exclusivo das Forças Armadas.

“Se queremos ser um país desenvolvido, não podemos outorgar à população a autodefesa”, avalia o Vice-Ministro. “Dizer que arma serve para defesa do cidadão é ironia ou má fé”, avalia Barreto. “Arma é para ataque; para defesa é colete (balístico)”, explica.

Violência na América Latina é alta, alerta especialista

O pesquisador do Viva Rio, Antônio Rangel Bandeira, observou que um mapeamento da ONU relevou que ninguém mata mais que os latino-americanos. Segundo o especialista, a América Latina tem cerca de 13% da população mundial e registra 42% das mortes por armas de fogo. Ele afirmou o Brasil tem servido de exemplo na região, já que oito países estão mudando suas legislações sobre armas inspirados nas leis brasileiras.

Melina Risso, do Instituto Sou da Paz, fala durante o seminário observada por Antônio Rangel Bandeira, do Viva Rio. Foto: Pieter Zalis/UNIC Rio.

Melina Risso, do Instituto Sou da Paz, fala durante o seminário observada por Antônio Rangel Bandeira, do Viva Rio. Foto: Pieter Zalis/UNIC Rio.

Rangel lembrou do caso do assassinato da juíza Patrícia Acioli, que lutava contra o crime organizado dentro do Estado e foi morta por agentes do Governo do Estado, que utilizaram armas e munições oficiais. “A primeira pista de que a juíza Patrícia Acioli foi morta por policiais foi a identificação das cápsulas de munição”, disse o pesquisador, informando que este foi um procedimento sugerido pelas Nações Unidas em um documento sobre o tema.

“Por que na Austrália as campanhas reduziram as armas em 42% e no Brasil 11%?”, indagou Rangel. Para ele, a redução na Austrália se justificou, em parte, pela presença de uma polícia honesta. “O Brasil precisa reestruturar sua polícia.” Rangel destacou que, pela lei, cada posto da campanha de desarmamento tem de ter um policial mas, no entanto, a polícia está se mobilizando pouco neste tema.

Ele alertou também para o problema do comércio de armas no Brasil, cujo controle está muito longe do ideal. “90% das armas que estão com os criminosos do Rio são produzidas no Brasil, assim como 95% da munição.” Ele criticou ainda a cooperação entre as instituições na área de segurança. “Há uma visão míope no Brasil que faz uma polícia não confiar e não colaborar com a outra.” Para ele, este controle tem de incluir países vizinhos. “A Bolívia nem sequer tem leis sobre o controle de armas. Os países precisam avançar juntos, especialmente se são vizinhos.”

O pesquisador do Viva Rio citou o exemplo da cidade de Bogotá, na Colômbia, que segundo ele já foi a capital da violência e, a partir de campanhas anuais de desarmamento, mudou sua realidade. “O Brasil tem colaborado com diversos países pelo desarmamento, como Moçambique, sendo vanguarda nas campanhas. Esse descontrole sobre as armas é uma das razões para a violência na nossa região.”

No Rio, dados ‘precários’ sobre apreensões e desvios de armas

Outro especialista presente foi o pesquisador do Viva Rio Júlio Cesar Purcena, que atuou também como consultor da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre armas da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Segundo Purcena, a CPI das Armas, presidida pelo deputado estadual Marcelo Freixo, já revelou que, de 2000 a 2009, 8.912 armas de fogo foram desviadas no Rio de Janeiro.

Há uma precariedade nos dados sobre munição, sobretudo pela dificuldade de compartilhamento de informações, afirmou o pesquisador do Viva Rio, Júlio Cesar Purcena.

Há uma precariedade nos dados sobre munição, sobretudo pela dificuldade de compartilhamento de informações, afirmou o pesquisador do Viva Rio, Júlio Cesar Purcena.

Segundo ele, apreensões e desvios de armas no Rio de Janeiro não são sistematicamente comunicados à Polícia Federal. “Há uma precariedade nos dados sobre munição, como atribuição de tipos incompatíveis com determinados calibres e marcas. Não se consegue rastrear as armas de fogo, sobretudo pela dificuldade de compartilhamento de informações”, alertou.

Já a Diretora do Instituto Sou da Paz, Melina Risso, observou que o grande desafio do desarmamento é “tirá-lo do papel”. Para Risso, a política do desarmamento começou antes da criação do Estatuto. Desde 2000, afirmou, há uma redução nas autorizações do porte de armas.

Até março de 2010, Risso afirmou que um terço das armas registradas por empresas de segurança de São Paulo foram posteriormente furtadas ou roubadas. “Estamos discutindo o controle do armazenamento de armas com o governo, pensando a capacidade de nossos órgãos até em termos de recursos humanos. Temos um estoque de munições muito grande e precisamos da ajuda do Ministério da Justiça para reduzi-lo.” Ela afirmou que 2012 será um “grande momento” para a criação de um marco legal sobre o controle de armas.

Acesse as outras matérias sobre o seminário:

Sobre o evento

O evento foi uma iniciativa conjunta do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio), da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ).

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