MARCELO ROCHA. COM MURILO RAMOS
Os ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia incentivam a compra de computadores para estudantes. A empresa que fornece as máquinas é a mesma, e o negócio nem precisa de concorrência pública
Uma das maiores ocupações de políticos em Brasília é procurar maneiras de levar recursos do governo federal a suas regiões. Cada um dos 594 parlamentares tem o direito de sugerir onde o governo deveria investir R$ 15 milhões anuais do Orçamento da União. Entre os ritos obrigatórios para quem busca recursos está a presença em reuniões promovidas pela Secretaria de Relações Institucionais (SRI), da Presidência da República, com técnicos dos ministérios. Eles explicam o que cada pasta tem para investir. Em uma dessas reuniões, no 3º andar do Palácio do Planalto, o chefe de gabinete da Secretaria Executiva do Ministério da Educação, José Luís Balalaica, foi um dos convidados. Ele explicou a deputados e assessores os programas federais na área de Educação. Em tempos em que o governo federal aperta os cintos, Balalaica cantou uma melodia agradável aos ouvidos dos participantes: disse que a Educação não sofre os problemas de contingenciamentos de gastos.
Segundo a sedutora fala de Balalaica, há recursos a destinar a prefeituras e Estados interessados em adquirir uniformes escolares, bicicletas escolares e laptops. No caso dos computadores, Balalaica apontou o caminho. Mencionou a existência de uma Ata de Registro de Preços no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). A ata é um atalho burocrático que facilita a compra dos equipamentos com o patrocínio das emendas. Ao “aderir a uma ata”, como diz o jargão, prefeituras, governos estaduais ou qualquer órgão federal não precisam fazer uma concorrência pública para comprar algo. Abre-se, então, a oportunidade para o aparecimento do vírus que ataca os cofres públicos.
As emendas parlamentares são apenas uma das saídas encontradas pelo governo para manter vivo um programa do ministério que beneficia uma fabricante específica de computadores: a Positivo. Sediada no Paraná, a Positivo é a empresa que mais vende equipamentos de informática para o governo. Faturou R$ 383 milhões em 2010 e, neste ano, acumula R$ 240 milhões, de acordo com dados registrados no Portal da Transparência. A Positivo deu um salto no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2004, a empresa vendera R$ 5,7 milhões ao governo federal. Em março de 2010, durante a pré-campanha presidencial, o então presidente Lula visitou a fábrica da Positivo com a então ministra e futura candidata Dilma Rousseff. “Procurávamos parceiros para lançar o computador popular e não achávamos”, afirmou Lula na ocasião. “A Positivo foi essa parceira. Foi durante nosso governo que a empresa se transformou na maior fabricante do país.” Meses depois, a Positivo venceu licitação realizada pelo FNDE para ser a principal fornecedora do Programa Um Computador por Aluno (Prouca), lançado por Lula e pelo ministro da Educação, Fernando Haddad.
Lula estabeleceu uma meta ambiciosa para o Prouca. Encomendou 600 mil aparelhos da Positivo, vendidos a dois preços: R$ 344 (Centro-Oeste, Norte e Sudeste) e R$ 376 (Nordeste e Sul). O negócio geraria uma perspectiva de faturamento superior a R$ 213 milhões para a empresa – as vendas têm isenção de pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Os laptops educacionais fabricados pela Positivo têm configuração exclusiva: tela de cristal líquido de 7 polegadas, bateria com autonomia de pelo menos três horas e peso de 1,5 quilo. São equipados para rede sem fio e conexão de internet. O principal entrave é que as máquinas têm de ser compradas com dinheiro de prefeituras e Estados. Mas nem tudo saiu como previsto. Como as administrações andam endividadas, os planos de Lula foram frustrados. A perspectiva de entrega de aparelhos em 2011 é de 170 mil unidades, longe das 600 mil previstas.
Além de incentivar o uso de emendas parlamentares, o governo federal acionou o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) para salvar o negócio da Positivo. O banco abriu uma linha de financiamento de R$ 100 milhões – técnicos do BNDES analisam atualmente propostas de financiamento de R$ 39 milhões, para a compra de cerca de 108 mil laptops.
Balalaica nega ter feito propaganda do projeto da Positivo para parlamentares. Diz que costuma participar de reuniões para tratar de emendas, mas afirma não fazer recomendações para a direção de propostas para um ou outro programa do Ministério da Educação. Balalaica nega ainda tratar com fornecedores ou prestadores de serviços do ministério. O governo, no entanto, nunca escondeu dar prioridade ao programa, que contou com carinho especial de Lula. O ex-presidente até transformou o ministro da área, Fernando Haddad, em político, imposto ao PT para disputar a prefeitura de São Paulo no ano que vem. O Ministério da Educação afirma que as decisões em relação à ata de adesão do Prouca são técnicas e não tiveram interferência de Haddad.
De olho na vaga que será aberta com a saída de Haddad está outro petista, Aloizio Mercadante, ministro da Ciência e Tecnologia. Mercadante também gosta do tema que envolve escolas e computadores. Em agosto, seu ministério resolveu vincular um programa à mesma Ata de Registro de Preços do FNDE – o Informatização de Escolas Públicas, que dá subsídio à compra de computadores por prefeituras selecionadas. É o mesmo sistema adotado pelo Ministério da Educação. O texto do programa obriga as prefeituras que quiserem ser beneficiadas a aderir à Ata de Registro de Preços do FNDE (leia o quadro abaixo). O procurador do Ministério Público do Tribunal de Contas da União (TCU), Marinus Marsico, afirma que o recurso usado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia contraria a lei. “Não se pode obrigar prefeituras e Estados a comprar equipamentos de determinada empresa”, diz Marsico. “Elas têm de ter autonomia para escolher seus fornecedores.” O Ministério da Ciência e Tecnologia afirma, em nota, que o programa Informatização de Escolas Públicas foi lançado para “fortalecer” uma política do Ministério da Educação. Por isso, foi feita adesão à Ata de Registro de Preços do FNDE, que favorece a Positivo. Procurada por ÉPOCA, a Positivo disse que não falaria sobre o assunto.
Além dos problemas financeiros da administração pública e possíveis irregularidades nos trâmites, a compra de laptops pode perder grande parte de seu sentido devido à evolução da tecnologia. No dia 2 de setembro, durante a Bienal do Livro, o ministro Fernando Haddad disse que o governo comprará milhares de tablets e os distribuirá a escolas públicas a partir de 2012. Com o advento dos tablets, os fabricantes sentem-se desestimulados a investir na produção de PCs ou laptops. A margem de lucro dos tablets chega a 35%, em comparação com 5% dos computadores. No começo de novembro, a Positivo lançou o tablet Ypy, com preço de R$ 999, depois de receber em agosto a autorização do Ministério da Ciência e Tecnologia para fabricar os equipamentos. A empresa deve se juntar a outras companhias nacionais e à taiwanesa Foxconn a fim de produzir, no Brasil, o iPad, da Apple, o tablet mais vendido do mundo. O negócio poderá contar com a bênção do BNDES. Para repetir o roteiro, só faltará uma nova Ata de Registro de Preços.
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