segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O CASO DA JUMENTA FOGOSA

A Jumenta fogosa (série Casos Policiais)
(Archimedes Marques)

A concepção antiga de que a Polícia tudo pode, tudo revolve ainda hoje é
vivenciada por muitas pessoas, em destaque na classe mais pobre e com
pouca cultura da nossa sociedade que sempre está entre os moradores das
periferias das cidades ou nas zonas rurais.

Nos meus 25 anos de atuação policial me deparei com situações inusitadas
que tive que sair da letra fria da Lei e usar de bom senso para evitar males
maiores, como é o presente caso que além de tudo é muito engraçado:

Estava eu há muitos anos atrás como titular de uma das Delegacias periféricas
da chamada grande Aracaju, então responsável pela segurança de diversas
localidades, dentre as quais o povoado Oco do Pau, hoje denominado Madre
Tereza de Calcutá no município de São Cristóvão.

Do então Oco do Pau me apareceu um cidadão, dono de um pequeno sítio,
morador de uma casinha de taipa situada numa estradinha de chão entre as
brenhas do povoado, querendo registrar uma ocorrência policial contra o seu
vizinho que também vivia em condições semelhantes de miséria, alegando que
o mesmo estava mantendo relações sexuais com a sua jumenta.

Tentei de todas as maneiras explicar e convencer a ele que se o cidadão
não estivesse fazendo aquele tipo de sexo abertamente para configurar um
possível crime de atentado violento ao pudor a Polícia não tinha como interferir,
contudo, o queixoso não se conformou de jeito algum e me falou que então iria
matar o dito cujo de qualquer maneira, pois só assim ele aprenderia a respeitar
os animais dos outros.

No sentido de evitar a consumação da ameaça com o provável homicídio que
ele afirmou que iria cometer, então resolvi interferir no problema mandando
uma intimação para o cidadão “zoomaniaco sexual” e, no dia marcado lá
estavam os dois no meu gabinete, na minha frente para que eu resolvesse
aquele diferente entrave.

Assim, o queixoso repetiu toda a história que já havia me contado
anteriormente e acrescentou:

- Quero ver se ele é homem para me desmentir, porque eu peguei os dois
dentro do mato na maior “conchambrancia”. Ele lá grudado por detrás da
minha jumenta gemendo, gritando e tudo mais e, então resolvi procurar a
Policia que é para eu não ter que matar esse desnaturado, safado, tarado,
sem vergonha...

O acusado que aparentava ter uns cinqüenta anos de idade e pouca vergonha
na cara não negou o fato e ainda justificou:
- É verdade. Ele não está mentindo não doutor, mas é a jumenta dele que
é culpada, pois quase todos os dias ela vem me procurar. Sempre estou
trabalhando tranqüilo na minha roça e a danada aparece do nada, levanta
o rabo, se treme toda e fica relinchando me chamando e aí eu vendo
aquele “monumento” não me agüento e termino satisfazendo a vontade
da coitadinha...

Tive que me segurar de todo jeito para não dar uma sonora gargalhada e
colocar tudo a perder, e então firme e sério ponderei:

- O senhor sabe que existe a Lei de proteção aos animais e que o senhor
está maltratando a pobre da jumenta e por isso pode ser preso?...

- Maltratando como doutor, se ela está gostando?... Eu nunca bati nela.
Às vezes eu até tento espantar a danada, mas aí ela insiste tanto, me
atenta tanto que eu termino indo...

- Mas mesmo assim eu entendo que o senhor está cometendo um crime
por isso vou instaurar um Inquérito policial e encaminhar o caso à Justiça
para que o senhor seja processado e preso, contudo, ainda existem
alternativas para que eu não tome essa posição. Basta que o senhor
compre a jumenta dele e acabe de vez com o problema ou então aceite
fazer outro tipo de acordo.

Uma breve pausa para reflexão na sala fora cortada pela fala do pretenso
queixoso:

- Não pretendo vender a minha Jumenta porque ela é das boas e vai me
fazer muita falta, Doutor, mas se ele quiser faço outro acordo porque é
melhor eu não desgraçar a minha vida por causa desse infeliz...

- Continue, qual seria a sua proposta?...

- Se ele me der um saco de milho todo mês, justamente para ajudar
na alimentação da minha Jumenta, a gente até deixa de ser inimigo e
esquece tudo.

- Doutor, eu também sou pobre e vivo da minha rocinha... Faço
plantações... É uma macacheirazinha aqui, um inhamezinho acolá, que eu
levo no carrinho de mão para vender na feira... No tempo de manga e caju
ganho mais um pouquinho... Posso até reservar um pedacinho de terra
e plantar um milhozinho para a danada da Jumenta dele, mas um saco
de milho todo mês fica muito pesado para mim... Se ele aceitar eu me
comprometo perante o senhor a dar um saco de ração de trigo que é mais
barato de dois em dois meses...

Para convencer o queixoso falei que realmente era uma boa proposta e que
estava dentro das condições financeiras do acusado.

- É doutor, vou aceitar porque não estou querendo prejudicar a minha
vida, nem quero saber desse negócio de Justiça que demora muito, e
além do mais ele não é gente ruim, é até um bom vizinho, só tem esse
defeito...

E então complementou descaradamente o acusado:

- Doutor, o senhor pode ter certeza que eu não vou mais atrás da Jumenta
dele... Quanto a isso o senhor tem a minha palavra de homem, mas se ela
vier me procurar de novo eu posso perder a cabeça e fazer safadeza com
ela novamente porque a carne é fraca... Quero que ele prenda a danada
e também se comprometa que não vai fazer nada comigo caso volte a
acontecer...

Aceita todas as condições, então finalizei a audiência quebrando o último gelo
para que os dois pudessem descontrair e fazer as pazes, saindo satisfeitos
com o acordo selado, com a seguinte frase ao desavergonhado cidadão:

- Se você e a Jumenta resolverem se casar e o dono dela aprovar podem
me procurar que eu também posso fazer o papel de Padre para abençoar
essa linda união!...

Autor: Archimedes Marques (Delegado de Policia no Estado de Sergipe.
Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela UFS) –
archimedesmarques@infonet.com.br - archimedes-marques@bol.com.br

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