segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A advogada que mudou as regras do Metrô de SP


Cega desde os 4 anos, Thays Martinez lança na 3ª livro
sobre sua relação com cão-guia barrado em estaçãoConquista. Thays com seu novo cão, Diesel: batalha
jurídica durou 6 anos e terminou com acesso irrestrito
(Foto:Ayrton Vignola/AE)

A primeira tentativa de melhorar o acesso para cegos
nas estações do Metrô de São Paulo foi marcada por
uma ironia - e por um fato que hoje parece bizarro.
Em uma tarde de maio de 2000, os primeiros pisos táteis
da rede começaram a ser instalados na Estação
Marechal Deodoro (Linha 3-Vermelha), no centro.
Na mesma tarde, na mesma estação, a advogada
Thays Martinez, então com 27 anos, cega desde os
4, ficou conhecida no País inteiro: ela foi barrada,
impedida de ultrapassar a catraca com seu novo e
primeiro cão-guia, Boris. O Metrô proibia animais na
rede, Boris teria de ficar na rua. Mesmo que estivesse
ali a trabalho. Foi o início de uma batalha jurídica que
durou seis anos. E teve lances de desrespeito
inimagináveis - como o do dia em que um funcionário
desligou a escada rolante por onde desciam Boris e
Thays, provocando um tranco que quase os derrubou.
No final, a advogada ganhou na Justiça o direito de
acesso irrestrito ao Metrô. E acabou mudando também
as regras da companhia, que passou a aceitar
cães-guia na rede.Labrador treinado na ONG americana
Leaders Dog for the Blind, Boris se aposentou em 2008,
após memorizar, em 8 anos, mais de 200 caminhos na
cidade. Em 2009, morreu. Thays, paulistana da Vila
Leopoldina, zona oeste da capital, que teve sua cegueira
causada por uma caxumba, agora já tem seu segundo
cão-guia. Um labrador preto chamado Diesel. Ainda
sente falta de Boris, mas entende as diferenças: o
primeiro, decidido e "brilhante"; o segundo, manhoso
e "uma graça". Cada um com seu jeito de animá-la.

"O Diesel é solidário, fica triste junto. Aí, me forço a ficar
alegre. Já o Boris pulava e mordia de leve, como que
pedindo para não ficar assim (para baixo)", conta
Thays. "Não conseguia resistir."

Livro. Para contar sua história e a do cão que mudou a
forma como as instituições públicas veem a relação
entre pessoas cegas e seus guias, a advogada lança
nesta semana o livro Minha Vida com Boris (Editora
Globo, 142 páginas). "Comecei a escrever no jardim
do prédio, em 2005. É uma reflexão que estava dentro
de mim e sabia que teria de contar", disse Thays, que
narra tudo a partir da infância - de quando sonhava em
ter em casa um "cachorro grande". "Só não sabia que
representaria também minha independência."
Quando ainda vivia na Vila Leopoldina, Thays e Boris
caminhavam diariamente em volta de uma praça.
Ele passou a conhecer o caminho, a desviar de árvores
e buracos. Aos poucos, começaram a trotar. De repente,
a correr. "Para quem sempre precisou de ajuda, correr
é algo indescritível. É o tipo de liberdade a que todo
deficiente tem direito."

Em seu livro, Thays conta em detalhes o que sentia em
relação ao cão - sentimentos, como uma inesperada
vaidade, chegaram a surpreendê-la. Quando foi buscar
o cão em Michigan (EUA), lembra de ter tomado um
banho "de lavar a alma". Depois, demorou a decidir a
melhor roupa. "Confesso que, por uma fração de segundo,
pensei que poderia estar sendo um pouco ridícula, mas
nunca se sabe os critérios caninos...", escreveu, com
bom humor. "No fim, deu certo. O Boris nunca
reclamou", brincou, durante entrevista na quinta-feira.

Praia. Além da descrição detalhada do processo com
o Metrô - como as ironias que enfrentou de advogados
da companhia, que diziam não impedi-la de entrar, "só
o cachorro" -, Thays fala também das pequenas alegrias
do convívio com o animal. Como a primeira vez em que
caminhou na praia sozinha, em Peruíbe, no litoral sul.
"Parecia sonho impossível, porque a praia, lugar amplo
e sem referências, desorienta a pessoa cega. Mas,
com o Boris, marcamos os quiosques como referenciais
e conseguimos", contou. "Tomamos até banho de mar."

Thays voltou também a caminhar pela cidade. Boris
conhecia como poucos os trajetos do centro velho, onde
a advogada trabalhava. Hoje, com Diesel, dá expediente
no Tribunal Regional do Trabalho. "Nunca me deixou bater
nos obstáculos aéreos, como orelhões", contou Thays, que
fundou a ONG Iris, de auxílio a deficientes (já ajudou 24
pessoas a terem cães-guia). "Depois de tanta exposição,
são poucos lugares que resistem a receber cães-guia.
Alguns restaurantes e taxistas. Mas, explicando bem,
quase sempre aceitam."
Depois de Boris, Thays decidiu que pretende ter
cães-guia "enquanto puder". "Como a separação é
difícil, pensei em voltar a ficar sozinha. Mas a liberdade
e a alegria compartilhadas compensam", disse. "Até
a frase de que "cão-guia vira sua extensão" deixa de ser
clichê. Quando o Boris se aposentou, me separei dele
pela primeira vez. Um dia, acordei e joguei a mão
para o lado, procurando. Parecia que nem
meu braço estava ali."

No processo de produção do livro, Thays fez uma
única exigência - que fosse lançado em audiolivro
junto com a edição impressa. "Para evitar que as
pessoas cegas esperem meses por um livro disponível
para todos os outros." A obra será lançada nesta
terça-feira na Livraria Cultura do Conjunto Nacional
(Avenida Paulista, 2073), entre 18h30 e 20h30.

Pedro Paulo CANIL GUARDA CIVIL SÃO PAULO

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