sexta-feira, 17 de junho de 2011

À sobra dos traidores da farda


O uniforme é o mesmo, o treinamento também. Mas, na PM, o homem é que faz a diferença

Eles prestam continência ao superior. Fazem o sinal da cruz. Batem a porta da viatura. A farda indica que policiais militares estão saindo em trabalho. Mas é dentro do uniforme que habita o ser humano, sua índole, virtudes e fraquezas.

A maioria do efetivo da PM tenta terminar o dia com sensação de missão cumprida, de honrar o nome, a instituição e os princípios. Nos últimos meses, contudo, os bons policiais vivem à sombra de quem jurou proteger os cidadãos de São Paulo, mas usa a função pública para roubar, passar informações ao crime organizado e explodir caixas eletrônicos em benefício próprio.

"Entrei na polícia pensando em combater criminosos e não que enfrentaria pela frente gente da própria polícia", indignou-se o soldado Rodrigo (nome fictício), de 34 anos, policial em atividade na capital, lamentando o resultado das apurações que levaram à cadeia nove PMs e deixaram sob mira de investigação outros 19.

Assim como o soldado, que não quis se identificar por temer represálias, milhares de PMs que defendem seu sustento com dignidade vêm sofrendo com olhares desconfiados da população ao entrar numa padaria, num banco ou supermercado. "Aos olhos da maioria, o ladrão de caixa eletrônico se esconde atrás da farda e a farda uniformiza a categoria. Então, aos olhos da maioria, qualquer um de farda é passível de desconfiança. Isso me incomoda, sim!", desabafa o policial Rodrigo, há nove anos nas fileiras da corporação.

"Não tenho vergonha de ser PM. Segui os rumos da minha família e tenho orgulho disso, mesmo que o salário seja ruim. Tenho vergonha é desses que se identificam como policiais e agem pelas nossas costas. Tenho vergonha é de quem trai a camisa do time, de quem coloca o colega em risco em benefício de criminosos", argumenta o soldado da Polícia Militar.

Rodrigo diz que o assunto sobre os roubos de caixas eletrônicos sempre vem à tona ao atender ocorrências. "É inevitável. Atendi uma ocorrência de perturbação do sossego, coisa simples, e logo veio a pergunta: ?É verdade que seus colegas estão envolvidos nesses roubos? Por que passam tarde da noite na minha rua com a sirene da viatura ligada? Posso confiar??", lembra Rodrigo.

Para ele, é complicado falar do assunto, pois a sua rotina tem o foco de atender bem o cidadão, e não de encontrar respostas para atitudes desmedidas de outras pessoas.

Rodrigo lembra que, em ocorrências mais problemáticas, como manifestações envolvendo queima de objetos e interceptação do tráfego, a população é ainda mais contundente no repúdio a policiais. "Xingam muito. De ladrão e matador", lamentou.

Rodrigo revela que até sua mulher ficou preocupada com as notícias negativas. "Ela perguntava se eu confiava no meu parceiro. Eu respondi que a cada dia saímos com um policial diferente. Eu preciso confiar que o meu apoio realmente estará lá se eu precisar. A gente só conhece o policial naquelas horas de trabalho. Na rua, no quartel. Depois, não sei onde está, com quem anda, quem são suas namoradas e quais são os gostos e atitudes. Não sei nada. Então, o que eu pude dizer para a minha mulher é que eu estou esperto e até provarem o contrário, trabalho ao lado de pessoas dignas como eu", explicou o policial.

Espelho/ Um oficial de 37 anos diz que está superando a fase ruim. "É difícil responder a perguntas sobre os que usam o mesmo uniforme que eu e se desviam. Respondo pelos meus atos. Sei que serei o espelho do meu filho. Entro de cabeça erguida onde quer que seja, independentemente de olhares. Sei quem sou e estou feliz com o que vejo em mim. Eu sou, acima de tudo, um homem que respeita a família, a comunidade, as leis, as regras da minha corporação e o meu destino", afirma.

Entrevista
Dirceu Cardoso Gonçalves_ Presidente da Aspomil
Sem salário, há PMs afogados em dívidas e morando em favela

DIÁRIO_ Qual o seu sentimento em relação às suspeitas de participação de PM em roubos?
TENENTE DIRCEU_ Lamentamos que o policial, um profissional vocacionado e treinado, não consiga viver e tratar de sua família com o soldo que lhe é pago. É uma tristeza que aumenta na medida em que vemos colegas, no desespero, passando para o outro lado. Há na classe um profundo sentimento de injustiça econômica. Há pelo menos 15 anos, os policiais militares não recebem nem as correções inflacionárias em seus salários. Isso os leva a um estado de dívida e miséria. Parte deles baixa o padrão de vida e alguns moram em favela. Outros buscam rendas alteranativas, no bico ou no crime. É uma lástima!

Como vê os PMs hoje?
Com pesar eu vejo a PM servir de trampolim para jovens. Treinam, estudam na PM e buscam um lugar na magistratura, no Ministério Público ou nas polícias que pagam melhores salários.

Entrevista 2
Major Sérgio Olímpio_ Deputado Estadual
Baixo salário não justifica debandar para o crime

DIÁRIO_ O senhor acha que a denúncia de PMs envolvidos em roubos é preocupante?
MAJOR OLÍMPIO_ Acho que é um fato isolado. Nós, Polícia Militar, somos muito maiores do que isso.

Como sente a reação da tropa e da população?
Notícias como essa desencadeiam a desconfiança. Na época em que eu estava na ativa, houve o caso da Favela Naval (policiais foram presos acusados de espancar moradores e de matar um deles). Eu não tinha nada a ver com aquilo, mas, toda vez que passava com a viatura em algum lugar, ouvia gritos de ?assassinos?. É uma onda e passa, mas não adianta tapar o sol com a peneira. É minoria na corporação, mas tem ladrão, sim.

Baixo salário justifica?
Receber essa justificativa de gente da tropa é o que me preocupa. O bom policial não pode entender essa justificativa como plausível.

Um comentário:

  1. Eu vou expressar aqui somente minha opinião sincera de um cidadão preocupado com os rumos de nossa sociedade.
    Grande parte de nossos políticos são bandidos de colarinho branco, isto é comprovado pela imprensa e pela própria Justiça. Quem decide o valor dos salários dos policiais são estes elementos! O bandido não se interessa em ter uma polícia bem paga e, quanto maior a bagunça, mais alguns políticos deviam os recursos públicos.
    Por outro lado, não se pode justificar a ação de policiais criminosos, somente analisando seus baixos salários. Deve ser repensada toda a organização da corporação.

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