em Direito. Professor de Direito Penal e Processo Penal.
Praticamente ignorado no Brasil, o assédio moral é capaz de resultados
Praticamente ignorado no Brasil, o assédio moral é capaz de resultados
mais devastadores que a guerra e que a violência que assola o cotidiano
das grandes cidades. O assédio moral é capaz de destruir um ser
humano sem que haja uma gota de sangue sequer e sem qualquer
gesto brutal contra ele, utilizando apenas o que se convencionou
chamar de violência invisível, aniquilando moral e psiquicamente suas
vítimas. Essa violência invisível, devastadora, perversa e aparentemente
insignificante se desenvolve através de gestos, palavras, ações ou
omissões que instituem um processo que pode ter lugar na família,
nas relações entre casais, nas empresas privadas e, inclusive, no
serviço público, traduzindo mesquinho mecanismo de manipulação
doentia, deixando a vítima incapaz de reagir e de perceber o alcance
da destruição que a atinge. Mais especificamente tratando das
relações de trabalho públicas (serviço público) e privadas,
MARIE-FRANCE HIRIGOYEN (Assédio Moral: A violência perversa do
cotidiano. 5ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2002. p. 65)
define o assédio moral como "toda e qualquer conduta abusiva,
manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos,
gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade
ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu
emprego ou degradar o ambiente de trabalho." O desgaste psicológico
causado pelo assédio moral vem sendo estudado no mundo inteiro,
sendo a Suécia, a Alemanha, os Estados Unidos, a Itália e a Austrália
países pioneiros nesse campo, principalmente na área trabalhista,
traduzindo uma verdadeira "guerra psicológica no local de trabalho",
caracterizada pelo "abuso de poder" e pela "manipulação perversa".
A vítima, que se torna alvo por resistir à autoridade e não deixar-se
subjugar pelo autoritarismo do chefe, é sempre atacada, ultrajada,
submetida a manobras hostis e degradantes no ambiente de trabalho,
sendo que qualquer coisa que faça ou qualquer iniciativa que tome
é voltada contra ela pelo agente perseguidor, geralmente o superior
hierárquico - o chefe, levando-a a uma total confusão, que pode
desencadear frustração, humilhação e depressão, e, em casos mais
extremados, culminar em respostas fisiológicas (úlceras de estômago
e duodeno, doenças de pele, doenças cardiovasculares, tonturas,
emagrecimento etc) e comportamentais (crises de nervos, ansiedade,
apatia, desinteresse pelo trabalho, desgosto), evoluindo para o
suicídio ou tentativa de suicídio. O ponto de partida do assédio
moral, segundo leciona MARIE-FRANCE HIRIGOYEN (ob. cit.), é o
abuso de poder (superior hierárquico que esmaga seus subordinados
com seu poder), "meio de um pequeno chefe valorizar-se", evoluindo
para as "manobras perversas" até a fase de destruição moral
(psicoterror), que pode, inclusive, ter a conivência da empresa
(ou do serviço público), que nada faz. Recusar a comunicação
direta, mentir, manejar o sarcasmo, o desprezo, o cinismo, usar o
paradoxo, desqualificar e impor o próprio poder são meios através
dos quais o agressor (portador de traços narcísicos de personalidade
– egocentrismo, necessidade de ser admirado, intolerância à crítica)
desenvolve a "comunicação perversa". ALBERTO EIGUER (Le Pervers
narcissique et son complice. Paris: Dunod. 1996) definiu os perversos
narcisistas como "indivíduos que, sob influência de seu grandioso eu,
tentam criar um laço com um segundo indivíduo, dirigindo seu ataque
particularmente à integridade narcísica do outro, a fim de desarmá-lo."
OTTO KERNBERG (A personalidade narcisista. In Borderline Conditions
and Pathological Narcissism. New York. 1975) descreveu a patologia
narcísica da seguinte forma: "As principais características dessas
personalidades narcísicas são um sentimento de grandeza, um
egocentrismo extremado e uma total falta de empatia pelos outros,
embora sejam eles próprios ávidos de obter admiração e aprovação.
Esses pacientes sentem uma intensa inveja daqueles que parecem
possuir coisas que eles não têm, ou que simplesmente têm prazer com
a própria vida." Os perversos narcisistas, portanto, como agentes do
assédio moral, são indivíduos megalômanos, que enganam exibindo seus
irrepreensíveis valores morais, invejando a vida que o outro tem.
Apresentam-se como moralistas, dando lições de probidade aos outros,
mas padecem de hipertrofia do ego e psico-rigidez, como forma de
defesa contra a desintegração psíquica. Em síntese, como bem ressalta
MARIE-FRANCE HIRIGOYEN (ob. cit. p. 186), "ninguém ganha no confronto
com um perverso. O máximo que se consegue é aprender algo sobre si
mesmo. A fim de defender-se, é grande a tentação, para a vítima, de
recorrer aos mesmos procedimentos que o agressor. No entanto, quando
alguém se encontra na posição de vítima, é por ser o menos perverso
dos dois. E não vemos bem como isso poderia ser invertido. Utilizar as
mesmas armas que o adversário é totalmente desaconselhado. A lei é,
realmente, o único recurso." No campo legislativo, é bom que se diga,
já existem previsões administrativas do assédio moral nas relações de
trabalho envolvendo o serviço público. No âmbito municipal, vários
municípios brasileiros já contam com lei contra o assédio moral, dentre
eles Americana/SP, Amparo/SP, Campinas/SP, Cruzeiro/SP, Guararema/SP,
Guaratinguetá/SP, Guarulhos/SP, Iracemápolis/SP, Jaboticabal/SP, São José
São Paulo/SP, Ribeirão Pires/SP, Cascavel/PR, Curitiba/PR, Porto Alegre/RS,
Reserva do Iguaçu/RS, São Gabriel do Sul/RS, Natal/RN, São Gabriel do
Oeste/MS, Sidrolândia/MS e Vitória/ES (fonte: www.assediomoral.org).
No âmbito estadual, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Espírito Santo e Rio
Grande do Sul já contam com legislação sobre assédio moral, sendo
certo que, no estado de São Paulo, lamentavelmente houve por bem o
governador, em 8 de novembro de 2002, vetar lei de iniciativa do deputado
estadual Antonio Mentor (PT/SP), aprovada pela Assembléia Legislativa
em 13 de setembro de 2002 (fonte: www.assediomoral.org). Na esfera
federal, tipificando o assédio moral, há projetos de reforma do Código
Penal de iniciativa do deputado federal Marcos de Jesus (PL/PE) e
coordenação do deputado federal Inácio Arruda (PCdoB/CE), projeto
de reforma da Lei nº 8.112, de iniciativa da deputada federal Rita Camata
(PMDB/ES) e coordenação do deputado estadual Inácio Arruda (PCdoB/CE,
e também projeto de reforma do Decreto-Lei nº 5.452, ainda de
coordenação desse último parlamentar. No exterior, países como França,
Chile, Noruega, Uruguai, Portugal, Suíça, Suécia e Bélgica já contam
com legislação e projetos de lei sobre o assédio moral (fonte:
www.assediomoral.org ), ainda que, am alguns, sem conotação
criminal. Percebe-se, entretanto, uma tendência mundial no sentido
de criminalizar o assédio moral, tal como aconteceu com o assédio sexual,
penalizando aquele que, de qualquer modo, reiteradamente, depreciar,
em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, o desempenho
ou a imagem do servidor público ou empregado, colocando em risco ou
afetando sua saúde física ou psíquica. Os precisos contornos da tipificação,
entretanto, deverão ser objeto de acurada análise por parte dos
legisladores, a fim de que se não perca o objetivo primordial da
criminalização, evitando que um importante instrumento legal de
contenção do assédio moral se transforme em excessivo e inaplicável
dispositivo legal, a lado de tantos outros que assolam a
legislação penal brasileira.

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