Trata-se de projeto de lei, de autoria do Nobre Vereador Adolfo
Quintas, que dispõe sobre a “obrigatoriedade de policiamento
fixo, de Guarda Civil metropolitano em todas as escolas municipais,
bem como em outros equipamentos públicos municipais”.
Sob o aspecto estritamente jurídico, a propositura não reúne
condições para prosseguir em tramitação, posto que invade
seara privativa do Executivo, consoante será demonstrado.
De início deve ser registrado que versa a propositura sobre serviços
públicos, matéria para a qual a Lei Orgânica do Município
não mais prevê a iniciativa privativa ao Prefeito para apresentação
de projetos de lei, como, aliás, não poderia deixar de ser,
posto que tal previsão não encontrava respaldo na Constituição
Federal.
Todavia, os projetos de lei de iniciativa parlamentar que versem
sobre serviços públicos deverão se revestir de natureza programática,
limitando-se a definir diretrizes, princípios ou, ainda,
parâmetros para a prestação dos referidos serviços.
Ocorre que pelo teor do texto proposto, verifica-se que a propositura
não se atém à fixação de meras diretrizes, pretendendo,
em realidade, impor a adoção de determinadas condutas ao
Poder Executivo, assumindo feição de ato concreto de administração,
incidindo, assim, em flagrante violação ao princípio
constitucional da harmonia e independência entre os Poderes.
Com efeito, dispositivos que determinam ao Executivo a prática
de atos concretos quando da formulação e execução de suas
políticas públicas, não traduzem uma norma geral, configurando,
em realidade, uma interferência indevida na atividade
própria e típica daquele Poder, que é a de administrar e, consequentemente,
implicam em violação do princípio constitucional
da independência e harmonia entre os Poderes. Exemplo desta
situação encontra-se no art. 1º, caput, “fica determinado a
obrigatoriedade pelo poder público municipal, em determinar
policiamento da Guarda Civil Metropolitana, junto as Escolas
Municipais da Cidade de São Paulo, com a finalidade de proteger
o patrimônio público municipal, bem como dirigentes,
professores, alunos e demais servidores”, criando, portanto,
para o Poder Executivo a necessidade de agir concretamente,
ou seja, pelo texto proposto o Executivo ficaria obrigado a desenvolver
as ações em tela.
No mesmo sentido encontra-se no parágrafo único do citado artigo,
a revelar a feição concreta que assume a propositura, pois
referido dispositivo cria para o Poder Executivo a obrigação de
agir de determinada forma, na medida em que estende a obrigação
a todos os equipamentos públicos municipais, que em
razão da localização, possam ser objeto de danos e/ou outras
situações iminentes de perigo.
Nítida, portanto, a ofensa aos dispositivos da Lei Orgânica do
Município que atribuem ao Prefeito competência para dispor
sobre a estrutura, organização e funcionamento da administração
municipal (art. 70, inciso XIV) e para apresentar projetos
de lei que disponham sobre a estrutura e atribuições das Secretarias
Municipais e Subprefeituras (art. 69, inciso XVI), bem
como sobre organização administrativa (art. 37, § 2º, inciso IV).
Neste ponto, oportunas as palavras do ilustre jurista Hely Lopes
Meirelles (in “Estudos e Pareceres de Direito Público”, Ed. RT,
1984, pág. 24) ao efetuar a precisa distinção acerca dos âmbitos
de atuação dos Poderes Executivo e Legislativo:
“3. Em conformidade com os preceitos constitucionais pertinentes,
a atribuição primordial da Câmara é a normativa, isto
é, a de regular a administração do Município e a conduta dos
munícipes, no que afeta aos interesses locais, ao passo que a
do Prefeito é a Executiva, compreendendo a função governamental,
exercida através de atos políticos, e a administrativa,
mediante atos administrativos aqueles e estes concretos e
específicos... 4. Em conclusão, a Câmara não administra e muito
menos governa o Município, mas apenas estabelece normas
de administração, reguladoras da atuação administrativa do
Prefeito. É nisso exatamente que reside a marca distintiva
entre a função normativa da Câmara e a atividade executiva
do Prefeito: o Legislativo atua como poder regulatório, genérico
e abstrato. O Executivo transforma os mandamentos da norma
legislativa em atos específicos e concretos de administração.”
(grifamos)
A título ilustrativo e a fim de corroborar as assertivas ora expostas,
verifique-se o entendimento recentemente exarado pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos da ADIn nº 160.996-
0/2-00, julgada em 13 de agosto de 2008, na qual restou
reconhecida a interferência indevida do Legislativo na atividade
típica do Executivo em razão da aprovação de lei de iniciativa
parlamentar relacionada ao tema das políticas públicas:
Com efeito, ao editar, por iniciativa de um de seus Deputados,
norma legal dispondo sobre a criação de um “Programa Estadual
para Identificação e Tratamento da Dislexia na Rede Oficial
de Educação”, estabelecendo a “capacitação permanente dos
educadores para que tenham condições de identificar os sinais
da dislexia e de outros distúrbios nos educandos” (artigo 2º),
impondo às Secretarias da Saúde e da Educação a formulação
de diretrizes para viabilizar a plena execução do referido programa
(artigo 3º), que terá caráter preventivo e também promoverá
o tratamento do educando” (artigo 4º), a Assembléia Legislativa
invadiu esfera de atribuição reservada ao Governador
do Estado, sem dúvida, em que pese a louvável intenção que
inspirou a autora do projeto de lei.
Ao Governador do Estado compete dispor privativamente sobre
a criação, estruturação e atribuições dos órgãos e serviços da
Administração Pública Estadual. Nelas se insere inegavelmente
a atividade concreta e típica de administração consubstanciada
na criação de programa destinado à identificação de dislexia
na rede oficial de educação e seu tratamento, assim como a
adoção de medidas necessárias para a sua implementação e
execução.
O fato de ser concorrente a competência legislativa dos Estados
da federação para legislar sobre educação e proteção à saúde
não confere à Assembléia Legislativa autorização para iniciar
processo legislativo a respeito de matéria que interfere diretamente
na administração superior do Estado, pois é cediço, como
se disse, caber exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a
iniciativa de leis que envolvam o planejamento, a organização,
a direção e a execução dos atos e serviços de governo. (grifamos)
Ressalte-se, ainda, que o art. 2º do projeto ao dispor sobre atribuição
do Comandante da Guarda Civil Metropolitana, cuida,
de matéria atinente a servidor público, também de iniciativa
reservada ao Sr. Prefeito, nos termos do art. 37, § 2º, inciso III,
da Lei Orgânica.
Desta forma, a propositura ao imiscuir-se em matéria de competência
privativa do Poder Executivo, violou o princípio da
harmonia e independência entre os Poderes, contemplado na
Constituição Federal (art. 2º), na Constituição Estadual (art. 5º)
e contemplado também na Lei Orgânica do Município (art. 6º).
Por derradeiro, vale ressaltar a edição da Lei nº 13.866, de 1º de
julho de 2004, de iniciativa do Executivo, que fixa as atribuições
da Guarda Civil Metropolitana, cria Superintendência e cargos
de provimento em comissão a ela vinculados e dispõe sobre
a fiscalização do comércio ambulante, alterada pela Lei nº
14.879, de 07 de janeiro de 2009, que estabelece ser atribuição
da Guarda Civil Municipal exercer o policiamento preventivo e
comunitário, prevenir e inibir atos que atentem contra os bens,
instalações e serviços municipais, priorizando a segurança escolar
e realizar atividades preventivas voltadas à segurança de
trânsito, nas vias e logradouros municipais.
E ainda, o Decreto nº 50.448, de 25 de fevereiro de 2009, que
dispõe sobre a reorganização da Guarda Civil Metropolitana –
GCM, vinculada à Secretaria Municipal de Segurança Urbana,
que estabelece competir à GCM atuar em conformidade às
diretrizes e programas estabelecidos pela referida Secretaria,
promovendo a proteção escolar, o controle do espaço de uso
público e a proteção ao patrimônio municipal.
Pelo exposto, somos pela INCONSTITUCIONALIDADE e ILEGALIDADE,
sem prejuízo do prosseguimento deste projeto na hipótese
de recurso provido pelo Plenário desta Casa, nos termos do
art. 79 do Regimento Interno.
Sala da Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa,
em 08/12/2010.
Ítalo Cardoso – PT - Presidente
Aurélio Miguel – PR
Celso Jatene - PTB
Gabriel Chalita – PSB
João Antonio – PT
VOTO VENCIDO DO RELATOR ABOU ANNI AO PROJETO DE LEI
Nº 0361/10.
Trata-se de projeto de lei, de autoria do Nobre Vereador Adolfo
Quintas, que dispõe sobre a obrigatoriedade de policiamento
fixo de Guarda Civil Metropolitano em todas as escolas municipais
da Cidade de São Paulo, com a finalidade de proteger o patrimônio
público municipal, bem como dirigentes, professores,
alunos e demais servidores.
A proposta merece prosperar, como veremos a seguir.
De início, deve ser registrado que versa a propositura sobre serviços
públicos, matéria para a qual a Lei Orgânica do Município
não mais prevê a iniciativa privativa ao Prefeito para apresentação
de projetos de lei, como, aliás, não poderia deixar de ser,
posto que tal previsão não encontrava respaldo na Constituição
Federal.
Ademais, o tema refere-se à segurança dos munícipes locais
sem qualquer repercussão nacional que exija regulação normativa
do tema pela União.
Inclusive tal entendimento já se encontra consubstanciado no
seguinte acórdão (RE 240.406/RS):
Não há dúvida que à lei federal cabe dispor, bem registra
o acórdão recorrido, sobre a segurança bancária específica,
relativamente aos valores depositados nos estabelecimentos
bancários. Todavia, no que concerne à segurança dos munícipes,
vale dizer, dos usuários das agências bancárias, legisla o Município,
porque tem-se, no caso, assunto de interesse local –
Ademais, a matéria – colocação de porta eletrônica numa edificação
local – é de interesse local: exigência, nas edificações, de
certos componentes que, sem os quais, será negado o ‘habitese’;
ou, numa outra perspectiva, exigência de equipamentos de
segurança, em certas edificações, em certos imóveis destinados
ao atendimento do público – no que as agências bancárias aí
se incluem – sem os quais ‘alvará de funcionamento’ não será
fornecido. Ora, tudo isso situa-se na competência do município,
pois constitui assunto de interesse local (C.F., art. 30, I ) (grifo
nosso).
O mesmo entendimento pode ser aplicado no que concerne à
segurança dos munícipes que se valem do serviço de educação
nas escolas municipais, bem como, para a proteção do patrimônio
público ali localizado, tendo-se em vista o disposto no
artigo 30, inciso I, da Constituição Federal, que dispõe sobre a
competência dos Municípios de legislar sobre assuntos de interesse
local, dispositivo com idêntica redação no artigo 13, inciso
I, da Lei Orgânica Municipal.
Segundo Dirley da Cunha Junior, considera-se interesse local
“não como aquele interesse exclusivo do Município, mas seu
interesse predominante, que o afete de modo mais direto e
imediato”. (In, Curso de Direito Constitucional, 2ª Ed., Salvador:
Juspodivm, 2008, p. 841.)
O projeto também encontra fundamento jurídico no poder de
polícia do Município, poder este conceituado por Hely Lopes
Meirelles, quando preceitua que “tal poder é inerente ao Município
para a ordenação da vida urbana, nas suas exigências
de segurança, higiene, sossego e bem-estar da coletividade.
Por isso, a jurisprudência tem consagrado reiteradamente a
validade de tal regulamentação e das respectivas sanções como
legítima expressão do interesse local”. (In, Direito Municipal
Brasileiro, 16ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 516)
Destaque-se, ainda, que a matéria de fundo versada na proposta
é a proteção e defesa da infância e da juventude que, nos
termos do art. 24, inciso XV, da Constituição Federal, é de competência
concorrente da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, já que a eles é dado suplementar a legislação
federal e estadual, no que couber, nos limites do interesse local
(art. 30, incisos I e II).
Dessa forma, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal:
“Exatamente na esteira daquela jurisprudência consolidada é
que cumpre reconhecer o dever do Estado de implementar as
medidas necessárias para que as crianças e os adolescentes
fiquem protegidos de situações que os coloquem em risco, seja
sob a forma de negligência, de discriminação, de exploração,
de violência, de crueldade ou a de opressão, situações que confiscam
o mínimo existencial sem o qual a dignidade da pessoa
humana é mera utopia. E não se há de admitir ser esse princípio
despojado de efetividade constitucional, sobre o que não mais
pende discussão, sendo o seu cumprimento incontornável.” (AI
583587/SC AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator(a): Min. CELSO
DE MELLO Julgamento: 09/04/2010) (grifo nosso)
Pelo exposto, somos PELA LEGALIDADE.
Sala da Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa,
em 08/12/2010.
Abou Anni – PV
Floriano Pesaro – PSDB
Kamia – DEM
Netinho de Paula – PCdoB
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