"De médico DE louco, todo mundo tem um pouco..."
Então, um dia qualquer, editou-se uma lei que veio a falar em que se
examinasse o preso, com o fim de melhorar suas condições, tanto de
cumprimento de pena, como (e principalmente) de concessão de
liberdade ao mesmo. Assim, estabeleceu a Lei de Execução Penal
(n. 7.210/84) por exemplo, que os pedidos de progressão de regime
deveriam ser instruídos com o parecer da chamada Comissão Técnica
de Classificação e do tal do exame criminológico, (art. 112, e
parágrafo único).
E esse tal de ‘exame criminológico’ é previsto no art. 8º, da mesma
Lei e se aplicaria aos condenados a penas em regime fechado, tendo
por objeto “a obtenção de elementos necessários a uma adequada
classificação, com vistas à individuação da execução”. Desta forma,
ao que se entende, esse exame deveria ser realizado não só lá para
a frente, perto do fim da pena, mas também no início da execução
penal para que com isto a mesma fosse individualizada; por sua vez,
na época do eventual pedido de concessão de progressão do regime
de cumprimento de pena, seriam agregadas outras informações
obtidas pela Comissão Técnica de Classificação acerca dos “dados
reveladores da personalidade do preso” (art. 9º).
Bonito, não é? Parece até que nossa terra é um país de
primeiro mundo, onde os presos (até os presos), são tratados como
se devem tratar os seres humanos, isto é, adequando-se o indivíduo
á sua situação: o preso ‘A’, no grupo ‘A’, o preso ‘B’ no grupo ‘B’,
e assim por diante....
Entretanto, o que se vê, é que tais disposições legais, que em última
análise pretendem, por assim dizer, um aperfeiçoamento da execução
penal, na prática, não passam de balela, já que a grande maioria dos
encarcerados cumpre suas penas, ou em presídios locais, ou cadeias
públicas e nunca foram submetidos a qualquer espécie de ‘classificação’
ou também nunca receberam qualquer espécie de acompanhamento
durante todo o cumprimento de suas penas.... que pena!
Para piorar, o exame criminológico deixou de ser obrigatório para a
progressão de regime, com a entrada em vigor de outra Lei, agora a
de n. 10.792, em dezembro de 2003, que alterou a Lei de Execução
Penal, já que a nova redação determina que o preso tem direito
à progressão de regime depois de cumprir ao menos um sexto da
pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário,
comprovado pelo diretor do presídio. Como esse novo texto não faz
nenhuma referência ao exame criminológico, muitos operadores do
Direito entenderam que ele havia sido extinto. Na prática,
realmente foi! Pior do que todos estes meandros legais, é a
disposição que alguns participantes dos governos, seja ele estadual
ou federal, tem em realizar modificações nesta área, apenas como
forma de solucionar problemas que, em última análise, são deles,
governantes e seus representantes.
Eu explico: por exemplo, alguém de importância no passado do governo
estadual, já mal comparou o sistema prisional à uma caixa d’água,
dizendo que existe uma torneira por onde entram os (se me permitem),
‘presos-água’, e um ralo, por onde eles sairiam; pois é, se não parar de
entrar ‘presos-água’, o ‘sistema prisional caixa d’água’ vai
transbordar; então, que se aumente o ralo, para que saia o
excesso... e uma das forma mais simples de se aumentar o ralo, é
acabar com o exame criminológico; claro, afinal, seria pelo exame
criminológico e pelo parecer da tal da Comissão Técnica de
Classificação, que iria ser feita uma triagem e uma
separação dos indivíduos e um exame de suas condições de estar ou
não bem para aproveitar melhor o beneficio que lhe estaria sendo
oferecido.
Mas aí reside o perigo: se formos realizar um exame criminológico em
alguns dos presos, pode ser que este exame mostre resultado ‘negativo
para a progressão do regime’, o que significaria que o preso deveria
permanecer encarcerado!
‘Não, encarcerado não, nós queremos é soltar, queremos vagas!
A permanência do preso no regime prisional fechado, não é de interesse,
pois afinal, o Governo quer vagas nos presídios sem ter que construí-los,
mesmo que por isto deixe sair alguém que não esteja em sua melhor
condição para aproveitamento da progressão....; não precisaria apenas
construir presídios, poderia também reformular o tipo de penas,
o próprio Código Penal, e enquanto isto não ocorresse, ao menos
poderia contratar técnicos para atender a população carcerária
dignamente (e desta dignidade faz parte tentar fazer realmente
algo por eles, no sentido de realmente deixá-los em melhores
condições para a saída do regime fechado), mas não, isto não
está nos planos; afinal, depois que o próprio Ministro da
Justiça disse de público que ‘preferia morrer a ficar preso’,
que se pode esperar? Se um dos senhores que em tese deveria
ser um dos mais preocupados com um sistema prisional, que
em última análise está na dependência de sua pasta pensa
assim, que pensarmos nós, míseros mortais?
Muitos poderão reclamar, dizendo que é necessário, como
se disse já, acabar com a ‘ditadura da medicina legal’, que,
coitada, apenas existe para fornecer ao operador do Direito
os subsídios necessários para bem encaminhar os casos
que dela necessitem.
A perícia, caso alguém não se recorde, é parte importante
do processo legal adequado, mas a perícia de engenharia
(naquela queda do edifício tal), ninguém dispensa; a perícia
contábil (na falência da fábrica tal) também é indispensável; a
própria perícia no caso de estupro, ninguém questiona; mas
quando esta perícia resvala nos meandros da mente, então
todo mundo dá palpites à vontade; claro, é a área do
conhecimento não palpável, repleta de ‘achismos’ (e como as
pessoas acham!!!); é nesta hora que aparece muito
nitidamente uma nova versão do conhecido ditado de
que ‘de médico e de louco todo mundo tem um pouco’,
que eu tomei a liberdade de modificar como: "de médico
DE louco, todo mundo tem um pouco”.
Pensem nisto.
* Médico psiquiatra; Mestre em psicologia. Professor de psicopatologia
forense, medicina legal e criminologia. Autor de Roteiro de Psiquiatria
Forense, Editora Saraiva.
Para a classe policial, o fim do mundo em 21/12/2012, não é nossa
preocupação precípua, não só porque somos incrédulos, além de
alguma base científica, mas porque temos preocupações prementes,
como a saída temporária dos presos para as festas de fim de ano.
preocupação precípua, não só porque somos incrédulos, além de
alguma base científica, mas porque temos preocupações prementes,
como a saída temporária dos presos para as festas de fim de ano.
A recente onda de violência que veio vitimar policiais e civis, só veio
aumentar os questionamentos dos envolvidos e suas famílias quanto
a esse direito previsto na Lei de Execuções Penais. A mesma que
previa classificação dos infratores da lei de acordo com sua
personalidade criminosa de acordo com sua avaliação psicológica
e exame criminológico para a progressão de regime, entre outras
inovações, porém não observadas ou simplesmente posteriormente
modificadas por outra lei. Tudo muito bonito, mas pouco prático,
como verão no texto que postamos em seguida.
aumentar os questionamentos dos envolvidos e suas famílias quanto
a esse direito previsto na Lei de Execuções Penais. A mesma que
previa classificação dos infratores da lei de acordo com sua
personalidade criminosa de acordo com sua avaliação psicológica
e exame criminológico para a progressão de regime, entre outras
inovações, porém não observadas ou simplesmente posteriormente
modificadas por outra lei. Tudo muito bonito, mas pouco prático,
como verão no texto que postamos em seguida.
Certo é que milhares de detentos devem deixar as penitenciárias onde
cumprem suas penas, seja em regime semiaberto ou mesmo regime
fechado (exceção do Regime Disciplinar Diferenciado) para, em tese,
desfrutarem do convívio familiar nas festas. E a maioria de nós,
classe policial, estará trabalhando invariavelmente, para a
manutenção da segurança deles, de nossas famílias, da sociedade.
É responsabilidade da POLÍCIA, o “monitoramento” das atividades
desses presos e se necessário o controle repressivo.
cumprem suas penas, seja em regime semiaberto ou mesmo regime
fechado (exceção do Regime Disciplinar Diferenciado) para, em tese,
desfrutarem do convívio familiar nas festas. E a maioria de nós,
classe policial, estará trabalhando invariavelmente, para a
manutenção da segurança deles, de nossas famílias, da sociedade.
É responsabilidade da POLÍCIA, o “monitoramento” das atividades
desses presos e se necessário o controle repressivo.
MEDIDA DE SEGURANÇA
O fim do exame criminológico
03/12/2012 por Antonio José Eça*
examinasse o preso, com o fim de melhorar suas condições, tanto de
cumprimento de pena, como (e principalmente) de concessão de
liberdade ao mesmo. Assim, estabeleceu a Lei de Execução Penal
(n. 7.210/84) por exemplo, que os pedidos de progressão de regime
deveriam ser instruídos com o parecer da chamada Comissão Técnica
de Classificação e do tal do exame criminológico, (art. 112, e
parágrafo único).
E esse tal de ‘exame criminológico’ é previsto no art. 8º, da mesma
Lei e se aplicaria aos condenados a penas em regime fechado, tendo
por objeto “a obtenção de elementos necessários a uma adequada
classificação, com vistas à individuação da execução”. Desta forma,
ao que se entende, esse exame deveria ser realizado não só lá para
a frente, perto do fim da pena, mas também no início da execução
penal para que com isto a mesma fosse individualizada; por sua vez,
na época do eventual pedido de concessão de progressão do regime
de cumprimento de pena, seriam agregadas outras informações
obtidas pela Comissão Técnica de Classificação acerca dos “dados
reveladores da personalidade do preso” (art. 9º).
Bonito, não é? Parece até que nossa terra é um país de
primeiro mundo, onde os presos (até os presos), são tratados como
se devem tratar os seres humanos, isto é, adequando-se o indivíduo
á sua situação: o preso ‘A’, no grupo ‘A’, o preso ‘B’ no grupo ‘B’,
e assim por diante....
Entretanto, o que se vê, é que tais disposições legais, que em última
análise pretendem, por assim dizer, um aperfeiçoamento da execução
penal, na prática, não passam de balela, já que a grande maioria dos
encarcerados cumpre suas penas, ou em presídios locais, ou cadeias
públicas e nunca foram submetidos a qualquer espécie de ‘classificação’
ou também nunca receberam qualquer espécie de acompanhamento
durante todo o cumprimento de suas penas.... que pena!
Para piorar, o exame criminológico deixou de ser obrigatório para a
progressão de regime, com a entrada em vigor de outra Lei, agora a
de n. 10.792, em dezembro de 2003, que alterou a Lei de Execução
Penal, já que a nova redação determina que o preso tem direito
à progressão de regime depois de cumprir ao menos um sexto da
pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário,
comprovado pelo diretor do presídio. Como esse novo texto não faz
nenhuma referência ao exame criminológico, muitos operadores do
Direito entenderam que ele havia sido extinto. Na prática,
realmente foi! Pior do que todos estes meandros legais, é a
disposição que alguns participantes dos governos, seja ele estadual
ou federal, tem em realizar modificações nesta área, apenas como
forma de solucionar problemas que, em última análise, são deles,
governantes e seus representantes.
Eu explico: por exemplo, alguém de importância no passado do governo
estadual, já mal comparou o sistema prisional à uma caixa d’água,
dizendo que existe uma torneira por onde entram os (se me permitem),
‘presos-água’, e um ralo, por onde eles sairiam; pois é, se não parar de
entrar ‘presos-água’, o ‘sistema prisional caixa d’água’ vai
transbordar; então, que se aumente o ralo, para que saia o
excesso... e uma das forma mais simples de se aumentar o ralo, é
acabar com o exame criminológico; claro, afinal, seria pelo exame
criminológico e pelo parecer da tal da Comissão Técnica de
Classificação, que iria ser feita uma triagem e uma
separação dos indivíduos e um exame de suas condições de estar ou
não bem para aproveitar melhor o beneficio que lhe estaria sendo
oferecido.
Mas aí reside o perigo: se formos realizar um exame criminológico em
alguns dos presos, pode ser que este exame mostre resultado ‘negativo
para a progressão do regime’, o que significaria que o preso deveria
permanecer encarcerado!
‘Não, encarcerado não, nós queremos é soltar, queremos vagas!
A permanência do preso no regime prisional fechado, não é de interesse,
pois afinal, o Governo quer vagas nos presídios sem ter que construí-los,
mesmo que por isto deixe sair alguém que não esteja em sua melhor
condição para aproveitamento da progressão....; não precisaria apenas
construir presídios, poderia também reformular o tipo de penas,
o próprio Código Penal, e enquanto isto não ocorresse, ao menos
poderia contratar técnicos para atender a população carcerária
dignamente (e desta dignidade faz parte tentar fazer realmente
algo por eles, no sentido de realmente deixá-los em melhores
condições para a saída do regime fechado), mas não, isto não
está nos planos; afinal, depois que o próprio Ministro da
Justiça disse de público que ‘preferia morrer a ficar preso’,
que se pode esperar? Se um dos senhores que em tese deveria
ser um dos mais preocupados com um sistema prisional, que
em última análise está na dependência de sua pasta pensa
assim, que pensarmos nós, míseros mortais?
Muitos poderão reclamar, dizendo que é necessário, como
se disse já, acabar com a ‘ditadura da medicina legal’, que,
coitada, apenas existe para fornecer ao operador do Direito
os subsídios necessários para bem encaminhar os casos
que dela necessitem.
A perícia, caso alguém não se recorde, é parte importante
do processo legal adequado, mas a perícia de engenharia
(naquela queda do edifício tal), ninguém dispensa; a perícia
contábil (na falência da fábrica tal) também é indispensável; a
própria perícia no caso de estupro, ninguém questiona; mas
quando esta perícia resvala nos meandros da mente, então
todo mundo dá palpites à vontade; claro, é a área do
conhecimento não palpável, repleta de ‘achismos’ (e como as
pessoas acham!!!); é nesta hora que aparece muito
nitidamente uma nova versão do conhecido ditado de
que ‘de médico e de louco todo mundo tem um pouco’,
que eu tomei a liberdade de modificar como: "de médico
DE louco, todo mundo tem um pouco”.
Pensem nisto.
* Médico psiquiatra; Mestre em psicologia. Professor de psicopatologia
forense, medicina legal e criminologia. Autor de Roteiro de Psiquiatria
Forense, Editora Saraiva.
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